Mães Paralelas

Crítica: Mães Paralelas (Netflix)

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Melodrama, dor, paixão e segredos que consomem alguém até a última gota. Todos os elementos costumeiros de obras de Pedro Almodóvar (Dor e Glória) estão presentes em Mães Paralelas, juntamente com as suas tonalidades intensas, que preenchem a tela. Para entregar a sua nova obra como um belo exemplar “Almodóvar raiz” (porém um raiz mais maduro), o realizador mescla temas que se encontram em só: a maternidade e a memória.

Apesar de toda passionalidade convocada pelo cineasta, esta é uma passionalidade calculada e bem articulada, durante as 2 horas de projeção. Para além de a narrativa contar com a história de duas mães, os enredos também são paralelos. De um lado, o espectador acompanha o encontro de Janis (Penélope Cruz, Todos Já Sabem) e Ana (Milena Smit), que se conhecem na maternidade e que, mesmo com faixas etárias distintas, precisam lidar com as experiências palpáveis e surreais que estão postas em suas realidades.

Do outro, é possível ver a busca de Janis, ao lado de seu amigo e amante Arturo, pelos corpos de pessoas enterradas em valas comuns, durante a Guerra Civil espanhola, de 1930. Assim, Almodóvar arremata toda uma discussão política complexa, que trata de luas de classe, mas também imprime toda a potencialidade e força de mulheres mães solo. Este jogo de idas e vindas temáticas – e até temporais – é perigoso, porém não há perda do rumo da trama aqui. Pelo contrário.

Há uma habilidade em conduzir esta história e amarrá-la, permitindo que exista espaço para o respiro entre um plot e outro, mas nunca os deixando de lado. Neste sentido, a direção consegue fomentar esta construção do paralelo, fazendo um jogo de quadros mais abertos e fechados para cada determinada intenção. Nos momentos de mais intensidade emocional, Almodóvar traz seus super closes, alguns deles até laterais. Esta estratégia, obviamente, aproxima o público das sensações das personagens e amplifica os seus sentimentos também.

Os movimentos de câmera são poucos, bem pontuais, e a duração dos planos é gerenciada para que haja tempo suficiente de se olhar para aquelas figuras. Os fluxos de pensamento e as ações ali inseridas são compreendidos de forma mais profunda, justamente porque é permitido que se olhe para elas com cuidado e de perto. Ao mesmo tempo, quando o espectador retorna para as questões de memória, a maioria dos quadros está mais aberto, podendo causar uma impressão de liberdade, esperança, redenção e até reflexão.

Mães Paralelas

Ao contemplar a imensidão da estrada e das terras onde vários corpos foram enterrados, por exemplo, quem assiste é afastado do aspecto individual e se encaminha para focar no macro daquela situação. Transitando neste contexto, do particular para o geral e vice-versa, está Penélope Cruz, que também é um ponto positivo certeiro dentro de Mães Paralelas. Habita aqui uma interpretação mais madura de Penélope, com mais contenção de movimentos e gestos precisos.

A sua construção é calcada em uma retenção que conta muito sobre a sua Janis: uma mulher observadora, racional e segura. Assim, as respirações e deslocamentos são justos, não sobram, trazendo uma organicidade para o papel. Este é um tipo de atuação menos óbvio, porque esta é uma composição sutil. A elaboração de sentido criado por Cruz é bem profunda e diversos rumos da narrativa são perceptíveis através de seu olhar.

Contudo, este traço positivo em Penélope acaba não sendo tão bom no contexto geral da produção. Alguns caminhos escolhidos por Almodóvar deixam a trama um tanto óbvia. Quando o mesmo deixa que certas peripécias demorem demasiadamente, o enredo soa ingênuo. Esta questão não perpassa todo o longa, não comprometendo a sua totalidade. Mas, a enrolação para desvendar o suspense central não se sustenta quando quem assiste já entendeu o que está se passando e não há mais necessidade de criar mistério.

Além disso, este fator combinado com o desfecho abrupto, sem encerramento, faz com que pontas fiquem soltas em Mães Paralelas. Talvez, o roteiro quisesse deixar este final sem conclusão, sem respostas, porém a execução poderia ser mais precisa, preparando o público para tal estratégia.

Direção: Pedro Almodóvar

Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Aitana Sánchez-Gijón

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