Batman

Especial Batman: Pontos Altos e Baixos

Das HQs para seriados de TV live action, franquias cinematográficas e animações, o universo do homem morcego já foi explorado de diversas formas pelo audiovisual. Entre focar na própria trajetória de Bruce Wayne/Batman e entregar enredos de seus antagonistas ou coadjuvantes, é difícil imaginar o que ainda pode causar impacto ou quais novas perspectivas podem ser trazidas ao se trabalhar dentro destas adaptações.

No entanto, Matt Reeves (Deixe-me Entrar) pegou o bastão de Tim Burton, Joel Schumacher, Christopher Nolan e tantos outros e trouxe o seu olhar para este novo Batman. Dentro desta perspectiva, é possível dizer que Reeves foi feliz em sua direção e roteiro – que escreveu ao lado de Peter Craig (Bad Boys para Sempre) – e conseguiu entregar um resultado digno e equilibrado. Ainda assim, alguns elementos poderiam ter sido realizados de forma mais precisa, aumentando a qualidade da obra.

Pensando na produção como um todo, o Coisa de Cinéfilo reuniu os pontos altos e baixos do Batman de Reeves neste especial. Confira!

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PONTOS POSITIVOS

Criação e Construção de personagens

Um dos maiores ganhos do novo Batman é forma como as personagens são trabalhadas dentro do longa-metragem. A começar pelo próprio Batman. Há aqui uma dualidade marcante entre o super-herói e Bruce Wayne, na qual esta dicotomia é marcada de forma expressiva. Trajando as suas vestes de vigilante, Wayne é forte, imponente e calculista. Já sem a sua armadura, ele é possui uma postura quase de adolescente, com um olhar melancólico e frágil. Este mérito para a complexidade de Bruce vem tanto do roteiro quanto do trabalho de Robert Pattinson (Crepúsculo), que compreendem a necessidade de imprimir camadas para o herói, revelando, principalmente, de maneira imagética, menos do que nos diálogos, as vivências e traumas de Wayne. Além deste cuidado na elaboração do papel principal, os vilões e coadjuvantes também ganham um olhar especial aqui. Todos possuem, em alguma medida, um background que ganha certo tempo de tela, sem que o rumo da trama principal seja perdido. As interpretações são orgânicas e mesmo que sejam figuras embebidas de sua porção de caricatura, elas possuem fluidez na cena, com movimentações e falas que não soam artificiais. Talvez, os únicos incômodos neste sentido sejam Selina (Zoë Kravitz), que não tem tantos contornos assim, e o Charada, de Paul Dano, que carrega nas tintas em seus monólogos.

Música Original

Conhecido por possuir uma obra marcante em filmes como Os Incríveis, Rogue One: Uma História Star Wars e Zootopia e séries como Lost, Michael Giacchino tem um traço bastante característico em sua obra: o equilíbrio de criar composições emblemáticas, sem retirar o foco da narrativa. Em Batman, ele segue neste mesmo fluxo. Há aqui um estabelecimento de atmosfera, através de suas músicas e um fomento das emoções necessárias que cada sequência precisa passar. Toda a passionalidade, melancolia e ausência de sanidade são apresentadas pelas sonoridades convocadas por Giacchino. As repetições de temas, que muitas vezes cansam o espectador em obras de super-herói, neste filme são positivas, pois elevam a potencialidade tanto em termos de ação e suspense, como dos momentos trágicos. Há uma espécie de nostalgia que ronda o que Michael compôs e isto acaba por construir um universo extra fílmico, que é esta bagagem do mundo pregresso criado por Batman, existente em múltiplas décadas, em suas tantas adaptações. Assim, existem as particularidades desta nova adaptação, mas uma personalidade musical que extrapola a obra especificamente.

Condução do ritmo

Apesar de possuir uma queda qualitativa a partir de seu terceiro ato, a maneira como Matt Reeves conduz o ritmo de seu longa é um dos pontos mais altos de Batman. As ações tomam tempo para acontecerem e esta é a principal razão para que as personagens sejam tão bem construídas. Além disso, há uma imersão intensa do público com a narrativa, porque este cuidado no olhar de Reeves cria um reconhecimento que torna especiais os elementos que são trazidos na trama. São diversas camadas exploradas ali, como a relação de Bruce com o jovem garoto que perde o pai, a sua relação com Alfred (Andy Serkis) ou a profundidade dos crimes que estão acontecendo em Gotham. Em cada revelação, cada mistério desvendado, cada charada solucionada, é como se o espectador virasse a sua página da HQ, porque há uma consciência de Reeves em trabalhar as descobertas de Bruce, juntamente com as de quem assiste, o que aumenta a emoção ao acompanhar aquela aventura.

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PONTOS BAIXOS

Queda qualitativa

Apesar de apresentar um filme com um resultado total positivo, há um momento de virada na trama de Batman e, a partir disto, acontece uma demora para os encaminhamentos do desenlace. No início do terceiro ato, enquanto Bruce tenta descobrir quem é o “rato” e o Charada, ao mesmo tempo, pequenas gorduras atrasam o desenvolvimento do desfecho do filme, deixando o seu final um tanto cansativo. A sensação é a de que são realizadas muitas voltas até que se chegue no cerne da questão: o amadurecimento deste Batman, de Reeves, que possui um ar de rebeldia juvenil e precisa direcionar melhor as suas emoções para ser um herói mais justo e de propósitos menos egoístas. No entanto, para realizar tal intento, pequenos empecilhos são postos, mas eles são tão óbvios – como a captura do Charada ou o comício de Bella Reál (Jayme Lawson) –, que a qualidade do encerramento da obra é menor do que seu restante. Este “tomar seu tempo” que percorre a narrativa é um ganho sim, porém quando o sentido disto se esvazia, com direcionamentos ingênuos, esta característica deixa de ser boa para ficar enrolada.

Algumas escolhas da direção

Novamente, é preciso salientar que, em termos gerais, a direção de Matt Reeves é consciente e efetiva. Os movimentos de câmera e enquadramentos são pensados de maneira pontual e seu interesse aqui parece ser o de convocar uma direção mais discreta e focar em dar destaque para a personagem central. Inclusive, para criar este homem morcego mais sensível e melancólico, que se guia mais por suas emoções do que pelo coletivo, Reeves se vale de diversos momentos de close, por exemplo. Todavia, é nesta vontade de investigar Wayne tão de perto que Matt falha em certas sequências. Este é um longa de super-herói, no final das contas, e que possui seu teor de ação, aventura e suspense. Desta maneira, quando os enquadramentos ficam tão fechados em dados instantes, o espectador acaba por ter suas sensações de emoção esvaziadas. Além disso, esta estratégia torna mais complicado de acompanhar as lutas mais amplamente, principalmente na cena da fuga de Wayne da polícia, quando o quadro fica bastante fechado, após ele pular do prédio, dificultando a fruição e causando certo estranhamento – que poderia até ser positivo, se não quebrasse o ritmo e a observação deste voo do Batman.

Mulher-gato

A Mulher-gato é uma personagem icônica, tanto nos quadrinhos como no audiovisual, por conter uma personalidade expansiva e sempre estar no limiar entre vilã e par romântico de Bruce Wayne. A Catwoman vivida por Zoë Kravitz não é de todo mal, por assim dizer. Contudo, ainda que a construção da atriz seja bem feita – com tônus e gestos precisos e toda a consciência corporal que a personagem necessita –, a questão aqui é a repetição de padrões de figuras femininas em filmes de super-heróis. Selina tem elementos empoderados, mas a postura da personagem sempre seguiu algo semelhante ao que é mostrado neste Batman de Matt Reeves. Talvez, o que incomode aqui é o quanto ela é fragilizada na presença de Wayne e como o olhar dele para Selina é viciado e até moralista. Há uma sequência na qual a jovem precisa explicar para o milionário que a sua relação com um dos vilões não é sexual e ele passa a respeitá-la novamente, após a revelação. É como se esta Mulher-Gato impressa aqui fosse uma Selina cheia de idealizações. Neste sentido, o que acaba por ocorrer é quase uma confusão de quem é esta figura de verdade. A sua personalidade fica sufocada por Bruce e não há espaço para que ela possa ser desenvolvida. A Selina de Reeves vive assim a chamada “Síndrome de Trinity”, termo criado pela jornalista Tasha Robinson, que fala justamente sobre esta mulher forte que, na verdade, é uma mera sidekick, que não tem suas habilidades evidenciadas e acaba sendo aqui o papel mais planificado dentro da narrativa.