Klaus

Crítica: Klaus

Após Deixe a Neve Cair, a Netflix dá sequência em sua série de filmes natalinos. Você já se perguntou de onde surgiu o Papai Noel e este ritual onde entregamos cartas para um estranho em troca de presentes? Talvez isso já tenha sido respondido em outros filmes, mas o diretor espanhol Sergio Pablos (escritor de Meu Malvado Favorito) traz uma abordagem única e reinventiva, misturando a origem do mito com uma analogia à Caverna de Platão, em sua animação de estreia, Klaus — fazendo trocadilho com o nome Santa Claus, Papai Noel em inglês.

Em um mundo fictício, Jasper (voz de Jason Schwartzman, O Grande Hotel Budapeste) é filho do dono de uma espécie de faculdade de carteiros e, por conta deste privilégio, é um dos piores alunos da instituição, uma vez que não leva nada a sério. Para provar seu valor, ele é enviado para a afastada cidade de Smeerensburg, devendo bater a meta de seis mil cartas entregues. No entanto, quando chega ao local, o projeto de carteiro descobre que o lugar é uma constante zona de guerra, com todos os habitantes brigando entre si sem um aparente motivo. Desesperançoso e deprimido, Jasper encontra ânimo ao conhecer Klaus (J.K. Simmons, La La Land), um viúvo lenhador que mora distante de todos e coleciona brinquedos antigos.

Atualizando o conto milenar para um problema moderno, a analogia do Natal como símbolo de esperança e fraternidade surge como a perfeita solução para os problemas de Smeerensburg. Vivemos em um mundo ultra polarizado no qual rejeitamos o próximo apenas por ter opiniões divergentes e nem sabemos exatamente como chegamos a esse nível de ódio. Neste sentido, o roteiro é muito sagaz em sua sátira ao tema.

Klaus

Indo além, Klaus não só faz o diagnóstico, como também aponta a causa e a solução para tantos conflitos. São os manipuladores membros do alto conselho da cidade que criaram a “verdade” inquestionável de que o povo deve se odiar. Em um paralelo com a realidade, eles seriam os políticos, que colocam a população neste estado de eterna guerra, enquanto eles mantêm seus privilégios. Portanto, o papel de Jasper acaba sendo como na alegoria da Caverna: ele está lá para libertar os presos de suas correntes e do espetáculo de marionete que eles acreditam ser a única realidade possível.

Justamente aí que entra a parte visual da animação, que está muito em sintonia com este tom de falsas aparências do roteiro. Inicialmente, com um visual que parece ter saído do expressionismo alemão, a cidade é sombria e repleta de casas pontiagudas, com aparência pouco amistosa. Além disso, há todo esse cuidadoso jogo sombras tanto nas cenas exteriores como interiores, que remete novamente à Platão e a falsa realidade.

Quando conhecemos Smeerensburg e seus habitantes, a impressão inicial é apenas de suas sombras, ou seja, de sua aparência exterior. Porém, o avançar da trama é acompanhado por uma evolução nas cores e formas, onde tudo vai se tornando mais limpo e iluminado, como se os personagens se aproximassem do Sol (ainda no mito de Platão). Até a apresentação de Klaus simboliza muito bem esse universo ilusório, pois a figura aparentemente ameaçadora se mostra uma doce pessoa.

No fim, o que faltava aos personagens de Klaus era que abrissem seus olhos. Acaba que é um filme muito otimista sobre como a pureza infantil pode ser o resgate do mundo manchado. Aliás, o longa é tão rico em camadas que pouco falei sobre a mais superficial delas: a origem natalina. Ainda que seja uma boa maneira de apresentar o conto do velhinho barbudo à criançada, o Natal é mais do que isso. É um espírito, um suspiro de esperança.

Diretor: Sergio Pablos

Elenco: Rashida Jones, J.K. Simmons, Joan Cusack, Jason Schwartzman

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