Sem Asas

Festival Internacional de Mulheres no Cinema: Sem Asas

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Construindo uma progressão, na qual o espectador vai, lentamente, se aproximando do cotidiano de uma família, Sem Asas investe em discutir a questão racial de maneira cuidadosa e pontual. Inicialmente, algo bastante corriqueiro é visto: um pai  (Melvin Santhana) ensina matemática para seu filho, explica para ele a importância do estudo. Enquanto isso, a mãe (Grace Passô) está preocupada com o seu trabalho, com as finanças e a dinâmica da casa.

A direção de Renata Martins (Aquém das nuvens), que também assina o roteiro, dialoga com o universo que ela parece desejar criar. O dia a dia, que é interrompido pela ação truculenta e racista da polícia, é encenado, através de uma transição de movimentação de câmera. Esta começa mais regular, com planos mais estáticos e mais abertos. Em seguida, após a virada do curta-metragem, quando Zu (Kaik Pereira), garoto de dez anos, vai comprar farinha de trigo para a mãe, a tensão se eleva, com quadros mais fechados, onde as sensações do menino crescem diante da tela.

A escolha de não mostrar o rosto dos policiais é outro acerto. O público apenas escuta suas vozes e assiste a reação da criança assustada. Além disso, a montagem contribui para o clima de suspense e medo, nesta segunda parte da obra. As sequências mais demoradas ou com um número maior de intervenção da edição de Sem Asas, potencializam os sinais de perigo vindo daquele contexto apavorante, onde a liberdade é cerceada, pela violência do Estado para com a população negra.

Sem Asas

Apesar dos aspectos positivos, algumas questões incomodam e interferem um pouco na fruição. A primeira é a iluminação, junto com as seleções de paletas de cores do figurino. De alguma forma, a combinação destes dois elementos traz artificialidade ali. A luz quase estourada, ao lado dos tons terrosos e azulados, pode fazer com que o espectador seja lembrado que está vendo um produto ficcional. Isto porque a produção evoca tão profundamente a noção de realismo e de simplicidade, que estes dois pontos ficam descasados.

Outro fator que retira um pouco da força de Sem Asas é a última cena. O seu penúltimo frame é forte e imprime um amplo significado metafórico, porém, em seguida, há uma reiteração disto, reduzindo a amplitude da criação de símbolos maiores. No entanto, no geral, Martins entrega um resultado equilibrado e promove uma discussão relevante, com um discurso claro, onde são mostradas as mazelas que o racismo pode causar versus o poder de resiliência dos negros diante de tanta injustiça.

Direção: Renata Martins

Elenco: Grace Passô, Kaik Pereira, Melvin Santhana

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