Relatos do Mundo

Crítica: Relatos do Mundo (Netflix)

3

Neste mês, o público pode conferir o novo faroeste Relatos do Mundo, estrelado por Tom Hanks (Um Lindo Dia na Vizinhança), dirigido por Paul Greengrass (Vôo United 93) e distribuído no Brasil pela Netflix. Os nomes de Tom e Paul chamam a atenção e trazem consigo um cheiro de Oscar, talvez. Mas, o que o espectador vai encontrar aqui é um filme um tanto morno, datado e cheio de caminhos previsíveis. Há uma estilística que lembra intensamente produções de 20 ou 30 anos atrás, quando discussões mais autocentradas e sem olhares múltiplos eram mais recorrentes.

Outro traço para esta comparação é desequilíbrio entre o visual e o textual, por assim dizer. Enquanto há a presença de um cuidado intenso com o imagético e a reconstrução da época, o olhar para as relações e representações é fraco. Existe uma tentativa de abordar a conexão entre o Capitão Kidd (Hanks) e Johanna (Helena Zengel), uma criança duplamente órfã – seja pelos pais alemães ou pela sua família indígena. Para construir o estabelecimento desta afeição paternal, todos os clichês são postos em cena. Johanna é hostil com Kidd, aos poucos, os dois passam a trocar dados de suas culturas, até que a menina vai criando afeto por ele.

Aqui, além do incômodo da obviedade do roteiro- baseado no livro de Paulette Jiles-, ainda existe a insistência dos filmes estadunidenses em personificar uma imagem de herói americano – vivido por Hanks bastante no cinema, vide Ponte dos Espiões, Capitão Phillips, Forrest Gump, Toy Story etc -, que, além de tudo, acaba por domesticar uma estrangeira de sua cultura. Johanna tem suas vestes mudadas, vai aprendendo a língua inglesa e, ao final da projeção, agradece a plateia de seu novo pai, se curvando e segurando a barra do vestido.

Além das marcas repetidas há tempos pelo cinema hollywoodiano, soa forçada a aproximação de Kidd com Johanna. Em meio a tanta ação e peripécias postas no roteiro de Greengrass com Luke Davis (Lion: Uma Jornada para Casa), falta fôlego e espaço para o desenvolvimento da dinâmica deles. A ausência de aprofundamento das personagens como indivíduos também é algo perceptível aqui. Existe a dificuldade de Kidd e Johanna não falarem o mesmo idioma, mas há muito que pode ser contado e mostrado na ficção sem texto falado propriamente dito.

Relatos do Mundo

Assim, sem saber muito daquelas figuras mostradas na tela, com pouca complexidades inseridas nelas, resta a quem assiste Relatos do Mundo acompanhar os perigos recorrentes pelos quais Johanna e Kidd passam juntos até chegarem ao destino final da viagem. São tantos momentos de brigas e acidente que fica uma sensação de sufocamento. O ritmo se perde quando não há um equilíbrio das velocidades e escolhas de acontecimentos. Era preciso trazer mais momentos de respiro, mais tempo para apresentar e fortalecer as características da dupla principal.

A angustia deste pouco aproveitamento vem também pela qualidade da interpretação de Hanks e Zengel. Os intérpretes parecem compreender o texto e as motivações de suas personagens. Talvez, eles tenham tido acesso a mais informações do que aquelas que aparecem no longa, porém é notável uma espécie de consciência deles sobre as gêneses de Kidd e Johanna. Enquanto a narrativa falha em imprimir estes traços de profundidade e passado, os atores evocam em seus gestos, olhares, pausas, gritos e respirações, lampejos de sentidos mais intensos.

Dentro dos aspectos positivos, é inegável a qualidade do trabalho de Greengrass, ao lado do cinematógrafo Dariusz Wolski (Perdido em Marte). A maneira como as temperaturas mais frias e a iluminação mais fraca dão lugar a uma maior saturação, com mais luz e cores alaranjadas, azuladas e amarelas, revelando como a presença de Johanna interferiu na vida de Kidd, constroem um sentido a mais para a obra. Isto é um exemplo do bom emprego que Grengrass e Wolski fazem da técnica.

A utilização constante de travellings eleva o clima de suspensão das cenas de ação. Até mesmo os recorrentes planos mais gerais, aumentam a emoção dos momentos, seja para provocar medo do que virá ou convocar imagens que emocionam, pela pura beleza da locação escolhida. Ainda que não cheguem a contribuir diretamente para o enredo, são um ganho dentro de um contexto enfadonho e perdido. No geral, Relatos do Mundo não é um afronte ao audiovisual. A produção possui algumas qualidades, mas peca por parecer perdida no tempo e no que deseja contar.

Direção: Paul Greengrass

Elenco: Tom Hanks, Helena Zengel, Elizabeth Marvel

Assista ao trailer!