Um Lindo Dia Na Vizinhança

Crítica: Um Lindo Dia Na Vizinhança

Caso esteja procurando uma crítica sobre como Um Lindo Dia Na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood) é fiel ou não ao seu material original, sugiro que feche este texto agora. Aqui, o retrato da vida de Fred Rogers é a camada mais superficial de uma história superficial sobre otimismo e fé. Aliás, eu nem cresci vendo o apresentador infantil, então pouco me interessa julgar a produção por sua fidelidade com o real.

O longa de Marielle Heller (Poderia Me Perdoar?) conta a história de Lloyd Vogel (Matthew Rhys, The Post – A Guerra Secreta), um jornalista investigativo que é cercado de problemas paternos. Não só ele é um pai e marido ausente, por conta de sua dedicação ao trabalho, como também guarda um rancor do próprio pai, Gary Vogel (Chris Cooper, Álbum de Família). Todavia, Lloyd é designado por sua chefe para um trabalho incomum: ele deve ir ao programa de Fred Rogers (Tom Hanks, O Círculo), apresentador infantil nacionalmente famoso, e traçar seu perfil para uma matéria sobre heróis do ano.

Por conta de seu perfil investigativo, é muito revelador como uma das primeiras perguntas de Lloyd para Fred seja sobre como ele consegue lidar com as duas personalidades — o personagem que aparecere diante da câmera e sua pessoa real. Afinal, para Llyoyd, não é possível que aquele apresentador seja real, certo? Rogers é como essa figura imaculada e perfeitamente ingênua. Ele é vegetariano porque não mataria ninguém que tenha uma mãe. Dá atenção para garotos doentes que lhe visitam antes da gravação. Tira foto de todas as pessoas que encontra e possui um hipnotizante jeito de falar, com suas pausas e um tom inofensivo.

Um Dia Lindo Na Vizinhança

Não que Lloyd seja um personagem unidimensional ranzinza, mas ele não acredita em heróis. Pelo menos, não depois do pai abandonar sua mãe enquanto ela morria, para se afundar no álcool. Todo esse trauma gerou um ceticismo muito grande dentro dele. Justamente por isso, quando ele encontra Rogers, há essa dificuldade em aceitar que um homem da idade do pai possa ser tão perfeito. É como se o protagonista ficasse procurando um defeito escondido no apresentador para desmascará-lo e revelar suas fraquezas, pois ele reflete em Rogers suas próprias frustrações paternais. 

No entanto, ao longo de Um Lindo Dia Na Vizinhança,  Lloyd vai sendo teletransportado da realidade fria e cinzenta (a própria entrada de sua casa é bem decadente) para o mundo mágico de Rogers. A presença do famoso carrega um magnetismo de otimismo e fantasia ao seu redor, como na cena do metrô em que uma menina lhe reconhece e, literalmente, todas as pessoas daquele vagão começam a cantar. Justamente pela realidade do jornalista ser tão fria e sóbria, a bondade do apresentador vira uma entidade quase que não pertencente dentro deste universo.

Se acreditamos na pureza de Rogers, é porque Tom Hanks está em um dos papéis mais dóceis de sua carreira. Ele externaliza toda a inocência (até meio infantil) do personagem, mas que, ao mesmo tempo, também traz uma presença dominante muito forte. Realmente, é como se ele fosse um ser superior. Quando o próprio Lloyd vai entrevistá-lo, ele consegue inverter a situação e começa a questionar sobre a vida do jornalista. Portanto, Rogers acaba sendo essa espécie de guru espiritual que veio mudar a visão de mundo do protagonista, Como um anjo que surge em sua vida. Neste sentido, Um Lindo Dia na Vizinhança me remete a A Felicidade Não Se Compra (1946), de Frank Capra.

Um Dia Lindo Na Vizinhança

Na direção, a própria Heller tem aqui um trabalho muito cuidadoso para construir uma figura sacra e onipresente de Rogers. Para exemplificar, em um dos quadros de seu programa, ele está controlando um fantoche. Em um travelling, a câmera passeia por toda a extensão dos bastidores do cenário e para em um enquadramento captando o fantoche e o apresentador. Em seguida, um zoom aproxima Fred da tela e a única coisa que resta é sua imagem se entregando na manipulação daquele boneco. Toda essa sequência está prol desta noção de que Rogers e o programa são uma coisa só.

No mesmo sentido, é interessante notar como Heller decide fazer diversas transições no filme usando as maquetes das cidades do programa de Rogers. Tal escolha reforça essa ideia da onipresença do personagem, como se ele controlasse tudo. A própria sequência onírica na qual Lloyd está dentro do castelo de fantoche deixa bem clara esta ideia de que ele está sendo diretamente influenciado e manipulado (no bom sentido) pelo apresentador.

No fim, Um Lindo Dia Na Vizinhança acaba sendo como o grande clássico natalino de Capra. Exalando otimismo e inocência, Rogers é como este grande anjo que resgata o próprio espírito infantil do protagonista e daquele que está assistindo o filme.

Direção: Marielle Heller
Elenco: Tom Hanks, Matthew Rhys, Chris Cooper, Susan Kelechi Watson, Maddie Corman, Enrico Colantoni, Wendy Makkena, Tammy Blanchard

Assista ao trailer!

*Filme assistido durante exibição no Festival do Rio 2019.