Crítica: Nerve – Um Jogo sem Regras

Dos filmes em cartaz nos cinemas em 2016, Nerve: Um Jogo sem Regras é o que tem a trama mais atual. No longa, através de um aplicativo chamado Nerve, os personagens entram em um jogo nos moldes “verdade ou consequência” (sem a verdade) no qual o usuário opta por ser jogador ou observador e caso escolha a primeira opção terá que cumprir uma série de desafios. A cada empreitada bem-sucedida no game, o jogador tem depositado em sua conta uma considerável quantia em dinheiro e tem a possibilidade de aumentar o número de observadores que acompanham em tempo real a execução  de complicados e arriscados desafios.

O jogo apresentado no filme captura uma jovem fragilizada por traumas familiares e reprimida socialmente chamada Vênus, papel de Emma Roberts (da série American Horror Story), que embarca nos desafios junto com um experiente jogador chamado Ian (papel de Dave Franco, de Vizinhos). Vênus rapidamente consegue ser uma das atrações mais populares dessa espécie de Big Brother da rede. Contudo, a partir do momento em que ela se transforma na pessoa mais observada do Nerve, a jovem também fica mais vulnerável aos riscos que o jogo impõe.

Com essa trama, Nerve acaba tratando de temas pertinentes em tempos de Pokémon Go e todo o seu debate sobre a tal “realidade aumentada” em uma espécie de 1984 com outras variantes. Há no trabalho da dupla Henry Joost e Ariel Schulman, que se preocupam com essa problemática contemporânea desde o documentário Catfish, interessantes insights sobre a ausência de privacidade na rede em contraponto ao total anonimato que propicia a externalização do que existe de pior nos seus usuários. É nesta zona de discussões que Nerve trafega muito bem na maior parte da sua projeção.

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O filme se apresenta para a plateia como um thriller com “pegada” pop para a geração teen e, apesar de situar-se na realidade das múltiplas telas dos celulares e computadores, evita os maneirismos do cinema “moderninho” que tem procurado tratar de tais temas e, por vezes, incorpora tropegamente os recursos digitais em sua linguagem cinematográfica. Ao apresentar-se ao público como um suspense corrente, mas conectado com as demandas de um público que pretende alcançar, Nerve consegue ser mais preciso em seus objetivos e tende a mostrar-se ainda mais provocador na medida que todo o conflito envolvendo sua protagonista apresenta complicadores que se sobrepõem.

É uma pena que nem tudo em Nerve saia a contento. O roteiro de Jessica Sharzer não consegue criar razões plausíveis e fortes o suficientes para justificar a entrada da sua protagonista no Nerve – ao menos, o trágico episódio familiar e sua dificuldade de se expressar e socializar, somados a um fora que ela leva no longa, não soam determinantes o bastante para torna-la presa fácil, o filme não faz esse serviço. As coisas se complicam ainda mais na construção dessa personagem quando lá pelas tantas ela é arrebatada por um súbito heroísmo, algo que a fragiliza ainda mais, sobretudo porque o filme não desenvolve com muita precisão um arco de amadurecimento e superação para a mesma. Além disso, também é de se lamentar que Sharzer opte por um desfecho tão luminoso e imaturo, quando o filme ganharia muito mais se mantivesse a sobriedade e o caráter incisivo da sua crítica social, como manteve durante boa parte da projeção. É como se Sharzer sabotasse o seu próprio trabalho, ainda que isso não prejudique a experiência como um todo ou retire os seus méritos.

Assim, apesar dos pontos falhos, não há como negar que Nerve tem muito a dizer sobre nossos tempos. E o faz com um forte apelo popular, o que o transforma em um filme poderoso, já que o objetivo de obras com esse intuito é mesmo o alcance massivo da sua mensagem. Claro que Nerve poderia ser mais corajoso pois durante boa parte da sua projeção provoca e leva personagens e  público ao limite da tensão, assim como também poderia ter elementos da sua narrativa mais bem amarrados, mas existem momentos de acerto preciso.

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