Crítica: Bacurau

Eis que chega aos cinemas nesta quinta-feira, dia 29 de agosto, o filme Bacurau, uma produção de Kleber Mendonça Filho (Aquarius) e Juliano Dornelles (O Ateliê da Rua do Brum). O longa nacional foi ovacionado no Festival de Cannes deste ano e levou o Prêmio do Júri na competição principal. Foi a primeira vez que o Brasil saiu vitorioso nesta categoria, que é uma das mais importantes da premiação.

O filme narra a história de Bacurau, um pequeno povoado no sertão pernambucano que está sofrendo com a falta de água e o abandono do Estado. A população começa a perceber uma movimentação estranha no local, com drones aparecendo no céu, o povoado sumindo dos mapas e pessoas surgindo mortas. A população percebe, então, que está sendo atacada e decide se unir para combater o inimigo desconhecido.

Este é um dos filmes nacionais que mais criei expectativa nos últimos tempos. E graças ao excelente trabalho de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, não houve nem sombra de frustração na expectativa que foi criada. Bacurau é um filme impactante e necessário, especialmente no cenário político e social atual.

O roteiro vai costurando desde o primeiro momento aquele cenário que vai ser apresentado logo em seguida. As relações interpessoais, a afetividade da população com o lugar onde vive, o cuidado com o próximo. Tudo isso vai sendo pincelado aos poucos e com assertividade, enquanto o espectador fica ainda mais intrigado do que os personagens com o que está acontecendo no povoado.

O cenário é distópico. O enredo explica de pronto que aquela história acontece daqui a alguns anos, sem especificar quanto tempo passou e o que se transformou no caminho. Informações surgem nos arredores da narrativa, sem atrair o foco. Termos como “Brasil do Sul” chamam a atenção do espectador mais atento, assim como uma revolução que estaria acontecendo em São Paulo. Sem mais detalhes, tudo isso auxilia na construção daquele universo de abandono que Bacurau se insere.

Como uma reverência ao Nordeste e o sertão, o longa é cuidadoso ao expor nossas peculiaridades, sem tomar o caminho do estereótipo. A mistura de realidades, que envolvem um interior precário e sem acesso ao básico, como água e medicação, e a tecnologia avançada, o uso de celulares e tablets na rotina da população, assim como o reconhecimento do drone.

Outro ponto alto de Bacurau é a cuidadosa escolha de elenco. Além de envolver atores nordestinos, eles escolheram diversos figurantes locais que definitivamente fizeram toda a diferença no resultado final. Todo o elenco está alinhado e equilibrado, nos permitindo vivenciar uma experiência artística completa.

Ao surgir, Sônia Braga (Aquarius) reina absoluta em cena. É quase uma covardia dividir o plano com ela, que nos presenteia a cada segundo com um atuação impecável. Mesmo atraindo a atenção para si, Braga é sempre generosa em tela. Ela não tem a intenção de roubar a cena.

Ao falar de temáticas da rotina, como a relação da população com a prostituição, a fé, a proteção entre os moradores, o roteiro nos propõe a reflexão de outras nuances. Além disso, expõe claramente o comportamento do brasileiro de enaltecer o que é de fora e criticar o próprio país.

Bacurau é recheado de críticas e alfinetas sutis aos nossos hábitos e a forma como nos relacionamos com as pessoas e com os lugares que vivemos. Cenas como a que o americano chega no museu e pega, displicentemente, um dos objetos e guarda na sacola, nos mostra o quanto é corriqueiro para o estrangeiro querer levar um pedaço de nós, mesmo que sem autorização.

A própria Bacurau assume protagonismo na história. É como se fosse um personagem vivo e com personalidade palpável. A medida que a população vai mostrando a sua relação com o povoado, isso vai ficando ainda mais perceptível. Ninguém ali é mais importante do que o local pelo qual eles batalham.

Bacurau é um filme visceral, intenso e completamente necessário. Todo os sentimentos que surgem ao logo da trama e que incomodam o espectador, provam que a produção cumpriu o seu objetivo de causar inquietude. Este é o tipo de longa que vai se revelando ainda mais a cada sessão e poderá ter interpretações distintas, a depender da bagagem histórica de cada espectador. Uma brilhante prova de que o cinema nacional está no auge.

Direção: Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles
Elenco: Barbara Colen, Sônia Braga, Udo Kier, Karine Teles, Chris Doubek, Alli Willow, Jonny Mars, Antonio Saboia, Thomas Aquino, Julia Marie Peterson

Assista ao trailer!

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