Crítica: Amor em Obras

Logo na primeira cena de Amor em Obras, Gabriela Diaz (Christina Milian, Be Cool: O Outro Nome do Jogo) pedala dentro de casa em sua bicicleta ergométrica. Para fugir da mobília branca a sua volta, a protagonista usa um visor de realidade virtual. Transportada para uma paisagem costeira, a hiperativa arquiteta grita “Eu adoro o interior!”. Os cinco minutos seguintes do filme, em um rápido ritmo, asseguram que o escapismo buscado pela protagonista está próximo de se tornar sua realidade. Nesse meio tempo, há falência de sua empresa e o fim de seu relacionamento por dois anos.

Dessa maneira, Gabriela logo se propõe a procurar um emprego. Entretanto, dificuldades do mercado e a saudades do namorado fazem com que ela se afunde em sorvete e vinho. Após quase desistir de sua busca, uma surpreendente vaga, para dirigir uma hospedagem na Nova Zelândia, surge. Então, na tentativa de recomeçar sua vida, tanto profissional quanto amorosa, Diaz larga tudo para viver seu conto de fadas.

Eventualmente, fica claro que nem tudo são flores. Diferentemente do anúncio mostrado na internet, a casa estava quase em ruínas, além de ser habitada por um bode. Com uma difícil missão pela frente, Gabriela terá de reconstruir não só sua vida, como toda a mobília da propriedade. Enquanto isso, ela procura fazer amizade com os habitantes da pequena cidade e se envolve com Jake (Adam Demos, UnREAL), um príncipe saído diretamente de uma fábula.

Dentre os muitos problemas de Amor em Obras, é que, apesar de ser uma comédia-romântica, só a segunda parte funciona. O roteiro aposta em gags repetitivas de móveis quebrados, da protagonista sendo desastrada ou de aparições surpresas do bode, seguidas por gritos insuportáveis de Milian. Esse tipo de humor, que subestima a inteligência da personagem principal, também atinge os secundários de Beechwood Downs. De mesmo modo, o funcionamento da cidade colabora para o tom fabuloso da história, lembrando a série Once Upon a Time (ABC). Todos os habitantes frequentam a mesma cafeteria e sabem de todas as fofocas locais.

Os roteiristas estrantes, Elizabeth Hackett e Hilary Galanoy, também acreditam que o espectador da Netflix não seja inteligente o suficiente. As facilitações narrativas e os diálogos expositivos estão por todo lado. Primeiramente, o VR da bicicleta possui uma inteligência artificial que funciona como um coach virtual, motivando as decisões de Gabriela.

Segundamente, todos os subtextos trama são explicados. Ao colocar um personagem explicando que a reconstrução da casa significa a reconstrução de sua vida tira muita força dessa metáfora. Para piorar, o terceiro ato introduz dificuldades que aparecem apenas para servir de obstáculo e dilemas morais aos protagonistas, sem a menor explicação ou coerência.

Conforme a trama progride, o foco muda para o relacionamento entre Gabriela e Jake, o faz-tudo da região. Os atores possuem uma química convincente, indo da implicância para uma gradual troca de olhares e toques. O príncipe encantado é o único que tem uma história de fundo aprofundada, sendo assim o personagem mais interessante. Em contraste, Charlotte (Anna Jullienne, 800 Words), dona da outra hospedagem da região, não funciona. Sua inserção na história serve para a protagonista ter sua antítese, mas é totalmente dispensável.

Outro defeito de Amor em Obras está em sua indecisão sobre a mensagem que quer passar. Por um lado, ressalta nos diálogos e nas ações de Gabriela como ela é uma mulher independente e auto-suficiente. Afinal, sua mudança de continente envolve uma jornada de autoconhecimento. Para reforçar, até piada com mansplaining é feita. Por outro lado, Jake aparece como o príncipe que resgata a princesa dos apuros. Sem sua ajuda na construção da casa, ela jamais teria ficado pronta. Com essa contradição, o filme enfraquece a força de sua própria protagonista.

Dirigido por Roger Kumble (Segundas Intenções), não dá para dizer que o diretor é pretensioso. Desde o primeiro momento já há a indicação que ele apresentará um romântico e escapista conto de fadas. Curioso, entretanto, é que para o norte-americano, vivenciar outra cultura seja tratado como algo quase mágico. Todos os clichês envolvendo geografia estão presentes: confusão entre Austrália e Nova Zelândia; reforço no sotaque acentuado da região e claro, um ritual haka.

Por fim, Amor em Obras (Falling Inn Love, até que um bom trocadilho) entra na lista de dispensáveis da Netflix, ficando perdido entre a comédia e o romance; o conto de fadas em que a princesa encontra o príncipe e uma história de autossuficiência. O canal de streaming, que enfrenta o aumento de popularidade do Amazon Prime a criação do Disney+, precisa focar em qualidade, não quantidade. Já para os que se contentam com finais felizes e querem fazer um tour pela Nova Zelândia, a visita pode agradar. Aliás, pelo menos eu descobri que bodes são fofos.

Direção: Roger Kumble
Elenco: Christina Milian, Adam Demos, Jeffrey Bowyer-Chapman e Anna Jullienne.

Assista ao trailer!