Stranger Things

Crítica: Stranger Things, 1ª temporada

Mais recente produção do canal de streamings Netflix, a série Stranger Things é praticamente um almanaque audiovisual dos anos de 1980. Ela reverencia constantemente o que foi realizado em termos de produção cultural naquele período ou que de alguma maneira reverberou naquela década. No quarto dos personagens, pôsters de filmes como A Morte do Demônio, de Sam Raimi, e Tubarão, de Steven Spielberg; há menções a Star Wars e às HQs dos X-Men, ambos no auge das suas respectivas popularidades; as fitas cassete tocadas ao longo da história tem David Bowie, Joy Division e The Smiths; os protagonistas da série podem assistir na televisão o desenho He-Man e nos cinemas filmes como Negócio Arriscado e A Chance, que catapultaram a carreira do jovem Tom Cruise em Hollywood; a garotada passa horas dos seus dias jogando Dungeons & Dragons e sonha em ganhar um Atari de presente de Natal. Enfim, tudo que se respira em Stranger Things foi produzido ou fez a cabeça de crianças e adolescentes dos anos de 1980.

Para completar, na sua própria execução, Stranger Things se inspira na produção cinematográfica da década em questão, quando histórias protagonizadas por crianças ou adolescentes e que envolviam o sobrenatural, outros elementos do terror e abordavam, acima de tudo, temas como a amizade inspirou cineastas diversos como Steven Spielberg (E.T. – O Extraterrestre), Rob Reiner (Conta Comigo), John Hughes (O Clube dos Cinco) e Richard Donner (Os Goonies). Tudo é colocado nesse caldeirão, que, se não tem nada de original, nem mesmo no seu intuito nostálgico, já que o longa Super 8, de J.J. Abrams, havia feito isso em 2008, tem a seu favor uma aplicada execução tanto das ecléticas referências quanto da história que tem em mãos, tendo plena consciência de que, em determinados momentos, deve realizar voos solo, mesmo com toda a bagagem e apêndice que utiliza.

Ambientada em Montauk, Long Island, a série tem início quando um garoto desaparece misteriosamente e o acontecimento faz surgir uma onda de buscas por seu paradeiro em toda a região, mobilizando, entre outros personagens, a mãe do menino e seu grupo de amigos. Paralelamente, o público toma conhecimento de outros núcleos que se cruzam ao longo dos episódios, entre eles o de uma menina com poderes sobrenaturais que está fugindo de um grupo de oficiais por razões desconhecidas. Ao longo da série, o público entra em contato com fenômenos paranormais, estranhas criaturas e acontecimentos de gelar a espinha que estão conectados com o desaparecimento do menino que dá início à trama.

strangerthings

Em meio a marcantes referências oitentistas, Stranger Things caminha com suas próprias pernas. Na verdade, o retorno ao passado e a sua cartela de menções a cultura pop, serve mais para realizar uma bem-vinda ambiência do espectador no período retratado pela série do que para preencher os seus oito episódios com easter eggs desnecessários que em nada serviriam ao andamento da sua narrativa. Criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer, que até então não tinham feito nada de muito significativo e que aqui dirigem e escrevem alguns episódios, Stranger Things consegue se estabelecer em seus próprios termos. Em econômicos e suficientes oito episódios ( ainda não consigo entender séries que insistem em formatos com 23 episódios que apresentam “barrigas” monstruosas ao longo de suas temporadas e só cozinham o espectador com tramas irregulares), Stranger Things é objetiva, precisa e resolve toda a sua história sem excessos, furos ou mesmo tentativas de apressadamente resolver todas as suas questões em um único episódio final. Tudo é “redondinho”, solucionado a contento e ainda acena de maneira discreta para suas prováveis temporadas seguintes.

Como ocorria no cinema oitentista que a própria série reverencia, Stranger Things tem como centro das atenções o seu elenco infantil ou juvenil, tornando os adultos  figuras periféricas naquele contexto, ainda que personagens como os de Winona Ryder (a mãe do garoto desaparecido), David Harbour (o chefe de polícia local) e Matthew Modine (um sinistro homem do governo) tenham a sua importância na história. Trata-se de uma decisão acertada, assim como fazia Spielberg em E.T. ou Donner em Os Goonies, por exemplo, as crianças têm importância para aquele universo pois somente a elas esse mundo do fantástico se abre com clareza, elas estão mais receptivas ao que não é da ordem do “real”,  não à toa a série tem início e se encerra com o grupo de meninos protagonistas da trama jogando Dungeons & Dragons. Nesse sentido, o elenco mais jovem rouba a cena, sobretudo, Finn Wolfhard (líder do grupo de garotos), Natalia Dyer (irmã do personagem de Wolfhard), o carismático Gaten Matarazzo (que interpreta Dustin, um menino com dificuldades de fala em função de um problema que possui na arcada dentária) e, claro, Millie Bobby Brown, que dá vida a Eleven, garota que se torna um dos fios condutores da série. Com esses jovens talentos, até mesmo o esperado comeback de Winona Ryder fica mais tímido, ainda que ela esteja impecável na pele de uma mãe em frangalhos emocional após o inexplicável desaparecimento do filho mais novo.

Voltando-se para o passado, mas sem esquecer de fincar bases iconográficas sólidas no presente, Stranger Things acerta em cheio na fórmula que tem norteado a lógica do bom cinema de blockbusters recente e todo o seu desejo de capturar o que deu certo no passado, mas também traduzir seus elementos para o tempo presente, algo visível, por exemplo, em Mad Max: Estrada da Fúria, Jurassic World e no recente Caça-Fantasmas. É certo que mesmo que o seu desejo revisionista e seu olhar afetuoso para o material que lhe serve de inspiração não seja novo, como já mencionado, J.J. Abrams veio com Super 8, por exemplo, e os anos de 1980 estejam na moda faz algum tempo, Stranger Things tem algo de especial. A série faz esse retorno ao passado de maneira muito orgânica e executa muito bem o que tem de fazer: oferecer uma história e personagens novos ambientados no contexto que pretende resgatar através de suas inúmeras referências nostálgicas. A série poderia se contentar com suas referências e teria um público cativo para isso, já que o que não falta atualmente é grupo nerd saudosista de todos os produtos da cultura pop daquela época, mas mostra-se consciente de que para ser mais do que mero repositório de nostalgia precisa construir um novo caminho, inclusive na produção de afetos por novos personagens.

Assista ao trailer da primeira temporada da série:

Pin It on Pinterest