Não Abra!

Crítica: Não Abra!

2.5

Na superfície, o trabalho do diretor indiano Bishal Dutta em Não Abra! dialoga com cânones mais do que estabelecidos do gênero horror. O filme de Dutta flerta com as lógicas de histórias com aparições sobrenaturais e dos filmes de monstros. Há ainda protagonistas adolescentes lidando com situações como a descoberta do amor e processos de afirmação social que os fazem rejeitar sua própria identidade. A experiência de horror vivenciada potencializa seus aprendizados, os amadurecendo ao final da trajetória. Na essência, nada é muito diferente de outros longas do gênero já produzidos nos EUA, por exemplo. No entanto, o componente cultural faz toda a diferença na experiência do público com Não Abra!, que, não por acaso, foi “abraçado” pelo produtor Jordan Peele (diretor de Corra! e Nós), um dos nomes atuais desse cinema de terror que estreita seus laços com discussões sociais.

Assim como Dutta, a protagonista Samidha tem uma descendência indiana. A adolescente interpretada por Megan Suri vive com a família há anos nos EUA, mas tem uma relação conflituosa com a sua cultura, o que não agrada em nada a sua mãe. Apesar das suas origens trazerem uma espécie de distinção da personagem entre os demais colegas, Samidha rejeita suas raízes e até mesmo se afastou da sua melhor amiga, a também descendente de indianos Tamira. Acontece que a antiga amiga de Samidha tem se comportado de maneira estranha no colégio, aparecendo constantemente com um pote de vidro misterioso. Quando Tamira aborda Samidha e revela que está sendo consumida por uma espírito maligno aprisionado no pote, a protagonista acaba sendo forçada a se reconectar com sua herança cultural para destruir a criatura que agora a amaldiçoa.

Quando aborda a vivência de uma adolescente indiana na cultura ocidental e seus mecanismos de sobrevivência e negação para socializar nesse contexto, aliado a toda uma mitologia oriental, Não Abra! adquire camadas interessantes de construção da sua narrativa e isso fica muito evidente desde o primeiro segundo. Há cenas preciosas e significativas nesse longa como aquela em que uma amiga americana de Samidha lhe pede um stories falando que a ama em hindi ou os ásperos encontros matinais entre a protagonista e a mãe.

Não Abra!

É perfeitamente possível traçar paralelos entre o universo fantástico proposto pelo diretor e as experiências subjetivas contemporâneas de filhos de imigrantes orientais vivendo em culturas completamente distintas daquelas de suas origens, como a americana. Estão no subtexto de Não Abra! alguns conflitos latentes dessa experiência: a conexão com suas raízes, mas também a identificação com o que lhe é estrangeiro e que se torna familiar por uma vivência bem diferente dos seus pais. Em Samidha, desde o princípio, fica perceptível, o desejo de inclusão ainda que seja predominante a sensação de deslocamento. A crescente interferência do espírito maligno no cotidiano da personagem serve como uma espécie de metáfora para os danos psicológicas de uma identidade socialmente reprimida.

É uma pena que muitas vezes a originalidade temática de Não Abra!, esbarre na direção oscilante de Dutta, que não consegue lidar com algumas demandas elementares do terror. Quando a história esconde a sua criatura, o filme tem uma séria dificuldade para manipular sustos na plateia e não constrói com muita eficiência a sua atmosfera de tensão. Todavia, quando exibe o seu monstro, Não Abra! revela-se um filme bem mais eficiente, ou seja, quando é literal e exibe a causa do pavor dos seus personagens a obra lida melhor com os efeitos do horror sobre a plateia.

A metáfora do “monstro” que ganha “corpo” conforme gradualmente as personagens mais jovens de Não Abra! negam a sua própria identidade é poderosa e Bishal Dutta consegue conduzir isso de maneira satisfatória durante boa parte da projeção. O grande problema de Não Abra! está mesmo na apropriação do óbvio, a direção parece inábil com recursos elementares do próprio gênero e lida muito mal com seu mistério central, a causa da desestabilização das suas personagens. O longa não dimensiona muito bem o pânico proporcionado pelo mistério em torno da aparência da sua criatura durante boa parte das suas aparições e consegue melhores resultados quando expõe a aparência do seu monstro e aqui é muito mais fácil ganhar o público.

Direção: Bishal Dutta

Elenco: Megan Suri, Neeru Bajwa, Mohana Krishnan

Assista ao trailer!