Crítica: Lucky

Falecido no último mês de setembro, o ator Harry Dean Stanton, conhecido por sua presença em filmes como Paris, Texas Alien: O 8º Passageiro, tem o seu “canto do cisne” no indie Lucky, longa que marca a estreia na direção de John Carroll Lynch, ator que ganhou fama por interpretar o palhaço Twisty da série American Horror Story. Na verdade, Lucky nem será a última vez que veremos Harry Dean Stanton nas telas. Em 2018, o ator ainda terá uma participação no inédito Frank e Ava. Porém é inevitável que encaremos esse pequeno filme sobre a história de um militar aposentado como um poético adeus de Stanton das telas e da cinefilia que o transformou em ícone. O longa de Lynch trata inescapavelmente da morte num inventário que seu protagonista faz da sua própria vida na medida em que se dá conta da proximidade da sua finitude. Estreando logo após a morte de Stanton, a história acaba passando uma sensação agridoce após a sessão.

No filme, acompanhamos a rotina do personagem título, que, todo dia, faz praticamente as mesmas coisas: acorda, realiza sua higiene pessoal, faz alguns exercícios, vai para uma lanchonete tomar seu café da manhã, faz suas palavras cruzadas, caminha pelas ruas desertas de sua cidade e à noite encontra alguns velhos amigos num bar. Todo dia é a mesma coisa na vida de Lucky até que ele sofre um incidente doméstico dentro de casa e confronta a possibilidade da morte estar mais perto do que ele imaginava.

Batizando seu protagonista de Lucky (“sorte” em inglês), como se o próprio fato de seguir vivo fosse obra do acaso já que o mesmo sempre foi um fumante cumpulsivo e arrumou confusão com muita gente na vida, colecionando algumas inimizades, o interesse de John Carroll Lynch é única e exclusivamente nesse personagem e na jornada que Harry Dean Stanton empreende na sua pele. O longa não é pesado, apesar de tratar de temas sérios e tendentes a reflexões existenciais. Há humor e simplicidade em Lucky, tornando o filme uma experiência agradável e terna, sem que a trajetória do seu protagonista traga uma percepção amarga da narrativa aos olhos do espectador.

Lucky é uma ótima estreia na direção de Lynch, permitindo que o mesmo consiga oferecer para o público um retrato da velhice e de um tema como a morte sem pender para os estereótipos pessimistas ou para seu extremo, o romantismo. O protagonista do filme não é um velho decrépito impossibilitado de fazer coisas triviais por sua idade, tampouco é retratado como alguém que consegue fazer tudo que um sujeito mais novo faz, mas sim como um homem que ainda tem resistência com situações dos novos tempos, tendo, por exemplo, que superar alguns preconceitos que já não cabem mais ou esquecer certas mágoas do passado. O filme consegue estebelecer de maneira equilibrada e respeitosa sua percepção sobre estas questões e isso o transforma num grande achado.

Claro que de todos os elementos de Lucky o que mais chama a atenção do espectador é a interpretação de  Harry Dean Stanton que deixa aqui todas as marcas acumuladas em sua carreira. O protagonista de Lucky acaba se beneficiando da persona de Stanton e do contexto da sua chegada aos cinemas logo após a morte do ator. Vendo-o contracenar com o cineasta David Lynch, que faz uma espirituosa participação no filme, o longa nos faz pensar em dois velhos amigos que trabalharam em Twin Peaks trocando uma “figurinha” sobre o estágio final das suas vidas. Ao mesmo tempo, ver o velho Lucky andando sem rumo nas ruas de sua cidade nos faz pensar imediatamente em Travis Henderson, seu personagem em Paris, Texas, perambulando por paisagens desérticas em muitos momentos do clássico de Wim Wenders de 1984. Assim, Lucky assume um outro significado e se transforma numa terna despedida de muitos cinéfilos a uma das figuras mais singulares que já surgiram no cinema.

Assista ao trailer:

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