Crítica: Graças a Deus – Festival Varilux de Cinema Francês

François Ozon é um cineasta que mantém uma certa regularidade em sua carreira. Não é um diretor como Woody Allen, por exemplo, capaz de realizar ótimos longas e outros nem tão bons assim. Ozon não chega a comprometer sua filmografia com desastres, realizando obras que ficam no mínimo na média em seus resultados. Graças a Deus é mais um ótimo trabalho do realizador, dessa vez comprometido com a investigação da pedofilia na Igreja Católica.

Vencedor do grande prêmio do júri no último Festival de Berlim, Graças a Deus se baseia em eventos reais para narrar as acusações de pedofilia dirigidas a um padre que coordenou um grupo de escoteiros da Igreja Católica na década de 1980 e início dos anos 1990. O filme consegue explorar em minúcias os casos a partir de três perfis diferentes de vítimas, um homem que se mantém católico quando adulto e que inicia a onda de queixas na alta cúpula da instituição, outro que é ateu e que acaba se tornando o líder de uma organização de suporte às vítimas e outro que teve consequências mais severas dos diversos abusos e estupros cometidos pelo sacerdote.

Além de explorar as reverberações do trauma nas vítimas a partir dos casos, o longa aborda a repercussão dos casos na vida dos pais dos envolvidos (que são acometidos pela culpa ou negação) e também as questões políticas na administração interna das acusações pela Igreja. Nesse sentido, o roteiro de Ozon é extremamente competente nas bifurcações da sua história e na extensão do seu tratamento, sendo pertinente também na construção psicológica dos seus três personagens centrais e suas diferentes formas de lidar com as sequelas do trauma.

É certo que o cineasta se prolonga um pouco no seu filme e até abusa de certos expedientes, como as inúmeras mensagens trocadas entre seus personagens e os membros conciliadores da Igreja, mas em certo momento certo recurso mostra-se necessário, sobretudo para dar conta do próprio processo administrativo do caso. Graças a Deus acaba se revelando também um filme contundente quando questiona o uso da fé de terceiros para fins escusos e a pedofilia cometida pelos padres acaba se mostrando apenas a ponta de uma cadeia de erros e vergonhas muito mais extensas para a instituição. É um longa de fôlego e que, certamente, exige o mesmo do espectador que se deparará com a banalidade com a qual a Igreja e seus representantes trata o crime, ou melhor, com a distorção da atitude criminosa em prol da sobrevivência da própria instituição e dos seus homens.

Direção: François Ozon
Elenco: Melvil Poupaud, Denis Ménochet, Éric Caravaca, François Marthouret, Bernard Verley, Josiane Balasko, Martine Erhel, Hélène Vincent, François Chattot

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