Floresta de Sangue

Crítica: Floresta de Sangue

O cinema é uma oportunidade para encapsular, dentro da película, uma cultura local de um determinado momento. Aliás, mais do que isso, pois ele possibilita que o espectador viaje e descubra o mundo sem sair do lugar. Assim, assistir a Floresta de Sangue não deixa de ser uma grande oportunidade de passear pelo Japão das décadas de 90 e 80. Todavia, imagine que seu guia turístico seja um homem louco, depravado e ambicioso. Exageros à parte, este é Sion Sono (Love Exposure), prolífico e autoral diretor japonês responsável por esta nova obra perturbadora da Netflix.

Com diversas tramas paralelas — que se convergem em um certo ponto — e uma falta de linearidade através de flashbacks, resumir Floresta de Sangue é complexo. Primeiramente, há um serial killer à solta, com seus assassinatos sendo noticiados em segundo plano pela televisão. Paralelamente, dois aspirantes a cineastas encontram o músico de rua, Shin (o camaleão Shinnosuke Mitsushima, O Habitante do Infinito), e decidem chamá-lo para fazer um filme. Entretanto, ao descobrirem que ele é virgem, decidem apresentá-lo para a ninfomaníaca Taeko (a instigante Kyoko Hinami) que, após um trauma do passado, virou uma niilista rebelde de cabelo azul.

Após recusar ajudar Shin, Taeko decide que ele deve conhecer Mitsuko (a bomba-relógio Eri Kamataki), sua amiga virgem, que também é assolada pelos fantasmas desse mesmo passado trágico. Sem sucesso em convencer a menina, os diretores amadores e Taeko decidem bisbilhotar seu encontro com Joe Murata (Kippei Shina, O Ultraje), um homem mais velho com intenções duvidosas. Quando descobrem que ele é um dos maiores trambiqueiros de Tóquio — além de se envolver com toda mulher da cidade (literalmente) — e com a suspeita de que Murata seja o serial killer, decidem que farão um filme sobre esta peculiar pessoa. Posteriormente, o próprio descobre da produção do longa e decide participar ele mesmo.

Alternando entre esses insanos acontecimentos do presente e flashbacks que elucidam a história, Floresta de Sangue exige paciência de seu espectador até todas as peças de seu quebra-cabeça se juntarem. Até que isso aconteça, Sono passeia por diversos gêneros e temas. Há, inegavelmente, uma via cômica na personalidade absurdamente extravagante de Murata. Mentindo ser desde um ex-agente da CIA até diretor de Titanic 2, o personagem consegue conquistar toda uma população feminina através de cantadas toscas, sendo quase como um guru do amor que exerce uma influência magnética.

Floresta de Sangue

Por outro lado, o vigarista também tem um lado sadomasoquista que Sion Sono faz questão de não esconder do público. Logo, se o personagem possui um certo senso de carisma, rapidamente isso é desconstruído pelas repulsivas e gráficas imagens de tortura sexual, criando uma interessante ambiguidade. De mesmo modo, a história ruma para um lado gore em crescente que destrói qualquer leveza daquelas aventuras dos jovens cineastas.

Com um forte caráter metalinguístico, Floresta de Sangue fala sobre a obsessão de muitos cineastas com a perfeição no processo de filmagem. Nesse universo absurdo criado pro Sono, o espaço fílmico se torna um ambiente tóxico extrinsecamente ligado a morte e a violência. Para gerar esse efeito, realidade e ficção se confundem e misturam, levando o processo de criação da arte até suas últimas consequências.

Adicionalmente, Sono desmistifica a antinomia entre pureza (os virgens) e maldade (os depravados), gerando uma quebra de expectativas conforme a narrativa avança. Com isso, fica claro que a intenção do diretor era mostrar que o mal não têm face. E vai além, ao apontar que as pessoas que mais falam são, no fundo, as que menos fazem. Não menos importante, diversas outras temáticas rondam o filme como violência doméstica e sexualização infantil.

Em conclusão, Floresta de Sangue é sobre repressão sexual. Atuando em uma área cinzenta, Sion Sono explora até onde o desejo carnal pode levar alguém. Logo, nada mais justo do que a própria ideia de cinema expurgar essa tensão acumulada através da exploração de seu potencial imagético ao limite. Como um dos próprios personagens afirma: “Nos filmes, nós temos total liberdade!”.

Direção: Sion Sono
Elenco: Kippei Shina, Shinnosuke Mitsushima, Kyoko Hinami, Eri Kamataki

Assista ao trailer!

Confira o filme diretamente na Netflix.