Deserto Particular

Crítica: Deserto Particular

3.5

2021 foi um ano atribulado para Aly Muritiba. Também foi um momento na carreira do realizador em que ele mostrou de fato sua versatilidade como cineasta. Muritiba é um dos responsáveis pelo sucesso da série documental O Caso Evandro da Globoplay, lançou a comédia Jesus Kid, baseada no livro de Lourenço Mutarelli, na edição desse ano do Festival de Gramado e acaba de ver outro filme com sua assinatura ser lançado como candidato brasileiro a uma vaga na categoria melhor longa internacional do próximo Oscar, o drama Deserto Particular.

Deserto Particular é um filme que dá diversas pistas falsas sobre suas pretensões para o espectador. Inicialmente, parece um drama sobre um policial militar cheio de fantasmas pessoais, mas logo essa história se transforma em uma bonita história de amor. Em certa medida, a estrutura do seu roteiro lembra a de outro filme do próprio Muritiba, Ferrugem, vencedor do Festival de Gramado em 2018.  Na apresentação dos protagonistas da sua história, Muritiba não divide o seu tempo entre ambos. Primeiro, ele se dedica ao contexto de um deles, para só depois contextualizar a vida de outro no momento seguinte. Ao final, o diretor e roteirista junta a história de ambos e só então o espectador tem uma dimensão da questão central que permeia aqueles sujeitos e aquela trama. Em certa medida, é o tipo de roteiro que costuma desobedecer algumas convenções de introdução de personagens e conflitos usuais em manuais, ainda que seus atos estejam expostos de maneira bem “quadradinha” no fim das contas.

Com Deserto Particular, acompanhamos inicialmente toda a história de Daniel (Antonio Saboia, ótimo) até aqui. Sabemos que ele é um policial militar de Curitiba que enfrenta um processo por ter agido com violência contra um rapaz, cuida sozinho do seu pai que sofre de Alzheimer e parece apaixonado por uma mulher chamada Sarah, com quem troca mensagens. Nos últimos tempos, ele não tem sido correspondido por ela. É então que Daniel parte em uma viagem rumo ao interior da Bahia. Chegando lá, a Sarah que ele tanto procura se revela Robson, um jovem homossexual de família evangélica que trabalha como carregador de frutas na feira. Robson é rejeitado pelo pai, que o leva para morar com a avó na esperança de “consertar” o menino.

Deserto Particular

As biografias de Daniel e Robson parecem ser completamente opostas pois enquanto o segundo lida de maneira muito tranquila com sua homossexualidade mesmo atravessado por algumas adversidades, o primeiro a rejeita ao ponto de expressar sua homofobia em atos extremamente violentos. Acontece que, em dado ponto de Deserto Particular, Aly Muritiba não só traça uma jornada de redenção para o reprimido Daniel como transforma sua história num romance repleto de olhar poético e de uma doçura que contrasta com as expectativas iniciais do público. Com as pistas que o filme entrega e por ser rotina em histórias de amor entre homossexuais nas telas, o espectador certamente aguardava do longa um desfecho mais trágico, mas terá como recompensa um desfecho cheio de promessas para seus dois personagens.

Em Deserto Particular, Aly Muritiba traz um encontro de dois homens que têm em comum a solidão, ambas impostas por uma homofobia, oras praticada pela sociedade, oras assimilada por eles mesmos.  No fim das contas, acaba sendo uma jornada transformadora para ambos. O jovem Robson tem a sua emancipação e parte para o mundo. Já Daniel consegue entender um pouco de si e aprende bastante com o rapaz, dá seus primeiros passos para se aceitar como é um pouco mais. Aly Muritiba é generoso com seus dois personagens principais, escapando de qualquer obviedade na apresentação das suas jornadas e no desenlace dos seus conflitos. É um filme que surpreende o espectador ao encontrar tanta beleza em subjetividades forjadas por contextos tão hostis a suas próprias identidades.

Direção: Aly Muritiba

Elenco: Antonio Saboia

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