Campo do Medo

Crítica: Campo do Medo

Juntando-se a Cemitério Maldito e a It – Capítulo 2, Campo do Medo é mais uma adaptação de uma obra do prolífico autor Stephen King em 2019. Nas mãos do diretor Vincenzo Natali (do cult e inovador O Cubo) e distribuído pela Netflix, a narrativa acompanha duas famílias presas dentro de um infinito campo de grama alta na beira de uma estrada norte-americana.

De maneira análoga a um labirinto, o gramado é a principal peça do filme. Neste sentido, Natali estabelece desde cedo planos gerais que destacam a imensidão do mar verde e sua infinitude, perdendo-se no horizonte. Em contraste, a visão de dentro dele é claustrofóbica e sufocante, marcadas por close-ups. Além disso, contra-plongées (planos de baixo para cima) realçam o efeito do Sol queimando as famílias, aumentando a sensação de desconforto e urgência.

No mesmo sentido, a padronização do gramado deixa o espectador desnorteado e sem o menor senso de direção. Conforme o avançar da trama, sua linha temporal vai ficando cada vez mais embaralhada e personagens transitam entre presente e passado. Por exemplo, quando Travis (Harrison Gilbertson, Upgrade) vai atrás de Becky (Laysla de Oliveira, The Gifted), que está desaparecida há dois meses, ele encontra sua versão do momento em que desapareceu.

Todavia, esse artifício de Campo do Medo também é um de seus maiores empecilhos. Essas mesmas situações vão se repetindo e perdem o impacto. Além disso — como de praxe nos trabalhos de King — as explicações lógicas são ignoradas em detrimento de uma mística sobrenatural. Obviamente, não há nenhum problema nisso, contanto que a própria lógica de seu universo seja respeitada. O que não acontece.

Igualmente, a ameaça de Campo do Medo nunca sai da sugestão, nem cumpre o potencial que prometia. Personificada na figura de Ross (Patrick Wilson, Aquaman), o tom passivo-agressivo do personagem não é o suficiente para sustentar um antagonismo. Aliás, fica até difícil identificar qualquer nuance de horror na história. Assim como não vai para o lado dos jumpscares, seu terror psicológico não é imersivo o suficiente. É uma enorme ingenuidade de Natali acreditar que zooms-in em plantas ao vento podem deixar o público tenso.

Campo do Medo

Outro grande problema do longa é que sua cinematografia escura não foi pensada para ser exibida na televisão, sofrendo o mesmo problema da Batalha de Winterfell, na última temporada de Game of Thrones. Em certas sequências, a escuridão é tanta que o pouco de tensão que a trama possui se perde no meio da confusão visual, como no confronto ao redor da rocha.

Diferentemente de O Cubo, o roteiro de Natali não aproveita o ambiente bolha e extremo para aprofundar os protagonistas. Embora chegue a flertar com camadas mais profundas, como o obsessivo amor fraternal de Cal (Avery Whitted, Sidney Hall) por Becky e um dilema sobre aborto, não há nada que enriqueça suas histórias ali, deixando uma sensação de incompletude.

Em relação ao elenco, por incrível que pareça, seu grande destaque não vai para Patrick Wilson — que até se entrega a gradual loucura de seu personagem — mas sim para Will Buie Jr. (Acampados), interpretando Tobin. O ator mirim consegue, simultaneamente, passar inocência e mistério, criando uma figura assustadora. Não só isso, como ele também mostra versatilidade ao performar diferentes versões de si mesmo, devido as diversas linhas temporais.

Por fim, Campo do Medo até possui méritos em seu primeiro ato, criando um desnorteamento visual e espacial proposital, transformando o campo de grama alta em um labirinto psicodélico. Porém, de resto, tudo é desinteressante. Desde seu antagonista principal não-ameaçador, até os protagonistas unidimensionais e suas viagens no tempo paradoxais. Assim, na prateleira das adaptações de King, o longa da Netflix está mais próximo de fracassos como A Torre Negra do que clássicos como O Iluminado.

Direção: Vincenzo Natali
Elenco: Patrick Wilson, Laysla de Oliveira, Harrison Gilbertson, Avery Whitted, Rachel Wilson, Will Buie Jr

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