De um lado, as salas de cinema dão espaço aos filmes da temporada de premiações, mas de outro, os circuitos comerciais se inundam com estreias ruins. Pelo segundo ano consecutivo, o mês de janeiro foi presenteado com filmes problemáticos. Projetos engavetados por estúdios (como Kursk – A Última Missão) ou os debutes tardios são os atores secundários desse período do ano. Para não perder o costume, um dos lançamentos da semana – e um dos primeiros de seu gênero – é um terror assustadoramente ruim. O longa-metragem estrelado por Gary Oldman (O Destino de uma Nação, de 2017) e Emily Mortimer (O Retorno de Mary Poppins, de 2018) se apresenta como um produto audiovisual preguiçoso e genérico, pronto para entediar qualquer espectador. A Possessão de Mary chegou aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (23).
Após comprar um velho navio escondido de sua família, David (Gary Oldman) decide se dedicar inteiramente à embarcação para renová-la. Depois da embarcação reformada, David convence sua esposa, Sarah (Emily Mortimer), e suas duas filhas de fazer uma viagem para aproximar a família e começar uma nova etapa em suas vidas. Logo que cheguem em alta mar, coisas perturbadoras começam a atravessar o cotidiano deles. Os dias passam e a família se vê atormentada por alguma força incomum. Um por um, os familiares se dividem e passam a questionar uns aos outros e a si mesmos.
Lançar Mary (título original) num mesmo período que se tem O Farol (2019) nos cinemas é um chute para fora. Ambos dividem o mesmo universo do horror e, apesar de terem execuções, contextos e narrativas bem diferentes, se inspiram num mesmo tipo de mitologia. O cântico das sereias e os mistérios do mar são peças fundamentais na construção das duas histórias. Dessa forma, é inevitável que o espectador compare-os ou escolha um dos dois para assistir – e quando isso é feito a dupla Robert Pattinson e Willem Dafoe vence em disparada.
Quando se pensa na premissa de Mary, existe expectativa de um bom resultado. Brincar com criaturas mitológicas, por mais manjado que seja, é uma boa opção. Isso mexe com o imaginário do público. Mexe com lembranças, contos, histórias assombradas. Portanto, discutir uma maldição de uma criatura meio sereia, meio fantasmagórica é possível e pode render um produto interessante. São as escolhas da produção, distribuída pela Paris Filmes, que levam o resultado final ao precipício. A estrutura do roteiro, o desenvolvimento das personagens e suas paranoias, o ritmo e a construção da atmosfera de medo; todos esses elementos carecem algo. A Possessão de Mary não passa de uma produção órfã de uma boa execução.
Para começar, o roteiro tem dois momentos importantes de viradas. A primeira é a revelação do mistério da criatura que assombra a família, enquanto a segunda é no final do longa. Toda a narrativa é supostamente construída para intensificar esses dois momentos. Se feito de forma correta, poderiam ser picos de tensão e susto para o espectador. No entanto, a descoberta da criatura é puro jump scare e o plot twist do final é óbvio e preguiçoso. A elaboração e construção do que deveriam ser os ápices do filme, falha terrivelmente. O público consegue prever cada passo sem nem precisar dar 100% de sua atenção para à tela.
A narrativa se desenvolve de forma tão sem propósito que até o elenco some. Mesmo com a presença de Oldman e Mortimer, os acontecimentos rasos não permitem que eles deem um levantada nas cenas. A situação se agrava ainda mais quando o espectador se depara com uma história dividida em passado e presente. Esses cortes temporais, ao mesmo tempo que ajudam a dinamizar o filme, atrapalham o desenvolvimento de suas partes. Os cortes de períodos acabam sendo um agente definidor nessa confusão. Em vez de intensificar a tensão, potencializar o mistério e gerar ansiedade no espectador, a montagem com flashbacks agrava a problemática produção.
O elemento assertivo do longa-metragem é o seu tempo. Os 84 minutos de trama são suficientes para a história entregue. Seu ritmo, em contrapartida, por vezes é lento demais e acaba por entediar o público. A Possessão de Mary se assemelha à muitas produções que tem uma boa ideia, mas uma má execução. O universo do horror tem uma vasta lista que pode ser comparado ao filme em questão (como A Sereia – Lago dos Mortos e O Manicômio, ambos de 2019, e Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro, de 2018). Nada salva a preguiça e o mal cuidado dessa produção. Ao final da sessão, não se sabe quem vai conseguir se recuperar do desastre: Oldman, Mortimer, o estúdio ou o público.
Direção: Michael Goi
Elenco: Gary Oldman, Emily Mortimer, Owen Teague, Manuel Garcia-Rulfo, Jennifer Esposito, Stefanie Scott, Michael Landes
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