O Farol

Crítica: O Farol

O que nos separa de animais? A racionalidade? A repressão dos instintos? Para chegar em seu atual estágio evolutivo, a humanidade passou por um longo processo. No início de tudo, o homem era este primata que ainda morava em cavernas e tudo girava em torno de sua sobrevivência. De certa maneira, O Farol (The Lighthouse) é sobre a degradação da racionalidade do homem em detrimento de um retorno a esse estado primitivo, irracional e instintivo.

Neste sentido, não há nada mais instintivo do que a sexualidade. Desde Adão e Eva e o fruto proibido, a tentação carnal é aquilo que mais coloca em risco a racionalidade do homem. Por isso, tudo gira em torno desta grande figura fálica: o farol. Fugindo de seu passado e atraído pela promessa de uma remuneração melhor, o introspectivo Ephrain Winslow (Robert Pattinson, Z – A Cidade Perdida) aceita o emprego de ajudante de faroleiro em uma ilha deserta. Lá, além das numerosas tarefas braçais que o levam à exaustão, ele deve lidar com o complicado temperamento de Thomas Wake (Willem Dafoe, No Portal da Eternidade), seu chefe.

Com tudo girando em torno desta volta ao estado primitivo do homem, acho interessante as escolhas da mise-en-scène de Robert Eggers (A Bruxa), que sempre remetem a este constante estado de retorno. Primeiramente, ele opta por uma proporção de tela de 1.19:1, que serve sua narrativa em diversos sentidos.

Ela aumenta a sensação de claustrofobia naquele ambiente, o que por si só já é um grande paradoxo imagético. Afinal, ao redor daquela ilha há um vasto mar coberto de névoa e que se prolonga até o limite de nossa visão. Porém, ao mesmo tempo que existe essa imensidão, cria-se este senso de estar preso no meio daquela solidão. Até a piadinha com o personagem de Pattinson batendo a cabeça na parede quando chega ao seu quarto corrobora esse sentimento de enclausuramento. Eles estão presos na ilha e dentro da própria tela do filme, em constante estado de repressão.

O Farol

Por outro lado, se O Farol volta justamente ao estado primitivo do homem, Eggers se aproveita e emula este retorno ao estado inicial do cinema com sua proporção de tela quadrada. Similarmente, o uso preto-e-branco acaba assumindo esta mesma função metalinguística que remete às origens do cinema.

No entanto, não é só em sua forma que O Farol busca este primitivismo, mas também em seu texto. Além do inglês arcaico do personagem de Willem Dafoe — algo já visto em A Bruxa — o filme recorre a uma visceralidade crua através flatulências, fezes, urina e masturbações. Diante daquela situação degradante e suja, os protagonistas se aproximam de verdadeiros animais.

Este processo de animalização vai sendo construído gradualmente por Eggers, que nos coloca na mesma posição do personagem de Pattinson. Em certos aspectos, o longa se aproxima de uma experiência sensorial bem irritante. Principalmente o som mecânico e onipresente das máquinas que beira o insuportável. Para Ephrain Winslow, tudo se resume a este teste de paciência. Até por isso, é genial como Robert Pattinson assume uma intensa fisicalidade masculina e que regride do homem cordial para um animal completamente sem controle.

O principal gatilho para a espiral de loucura do novato acaba sendo Thomas Wake, seu companheiro na ilha. Tudo vai se resumindo a uma intensa disputa de quem é o “mais macho” dentro daquela estrutura peniana, com a tensão sexual chegando aos extremos. As já mencionadas necessidades fisiológicas chegam a contribuir muito para esse estado de masculinidade tóxica, símbolos constantemente associados a esta figura do “machão”. Assim como Pattinson, Dafoe se reinventa em mais um papel e está nojento de um jeito fascinante.

O Farol

Todavia, é curioso que, na mesma proporção que Winslow e Wake vão rumando para um primitivismo mais bruto, Eggers regride buscando referências tanto no próprio primitivismo do cinema como das artes anteriores a ele. Além do preto-e-branco e da proporção de tela que remetem a uma era inicial da 7ª arte, o diretor bebe um pouco de várias fontes clássicas, jamais se aprofundando em cada uma, deixando apenas o nosso imaginário trabalhar. Só para exemplificar, há todo um jogo de sombrar que remete ao Expressionismo Alemão; os contos marítimos de Herman Melville (Moby Dick) e os monstros H.P Lovecraft (O Chamado de Cthulhu); a invocação de uma mitologia marítima (sereias e Netuno); e até mitos gregos como Ícaro e Prometeu.

No fim, O Farol, acaba sendo uma literal escada para a loucura e obsessão que leva todos de volta para o passado. Se seu protagonista se entrega aos instintos e está obcecado com o controle por esse “pênis gigante”, Eggers parece obcecado em um formalismo estético rodeado de referências antigas que criam um terror a nível sensorial.

 

Direção: Robert Eggers
Elenco: Robert Pattinson, Willem Dafoe

Assista ao trailer!

*Filme assistido durante exibição no Festival do Rio 2019.

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