Sinfonia de um Homem Comum

Festival É Tudo Verdade: Sinfonia de um Homem Comum

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Há uma habilidade em Sinfonia de um Homem Comum em mostrar para o espectador, de uma maneira bastante geral, quem é seu protagonista. Em seus minutos iniciais, antes de adentrar no tema central da obra, é possível acompanhar um pedaço da rotina da personagem principal e já ali entender como é a sua personalidade, seu jeito de lidar com as situações e a sua exigência intensa. José Maurício Bustani é posto como um homem que quer sempre fazer o melhor.

Diplomata brasileiro, Bustani é trazido ao longa-metragem para tratar de seus tempos de serviço no cargo de diretor-geral da Organização de Proibição de Armas Químicas (Opaq). A sua gestão foi de 1997 até 2001 e se encerrou após uma polêmica forte com o governo dos Estados Unidos, que possuía George W. Bush como presidente. Para Bustani o Iraque não tinha armas químicas e, para os EUA, o país não só estava em posse deste armamento como iria utilizá-lo com força.

Aqui o discurso é muito nítido: José Bustani foi um herói em sua época de diretor da Opaq. No entanto, apesar de todo este direcionamento incisivo e de tom quase ficcional – no sentido de que há esta insistência em falar sobre a competência do diplomata –, a obra é eficiente na diversidade de fontes que traz e como as traz. Entre imagens de arquivos, com jornais impressos e telejornais, entrevistas face a face ou via skype, há uma busca por ouvir envolvidos na saída de Bustani da Opaq, seus defensores e ocupantes de cargos altos no Brasil daquele tempo.

Assim, uma mescla de análises do ocorrido é impressa na tela de Sinfonia de um Homem Comum. O público se depara com depoimentos dos ex-presidentes José Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, com integrantes da família de Bustani ou com personalidades como ex-secretário de Estado de Bush, Richard Boucher. São múltiplas as vozes selecionadas para o longa e esta gama de pontos de vista acaba por fomentar o argumento que está sendo discutido durante a exibição.

Este debate vem justamente para tratar sobre o alerta insistente de Bustani: a inexistência das armas no Iraque, o que poderia ter evitado a guerra neste país e milhares de mortes. Ainda há no doc a consciência da necessidade de respiros, pois esta é uma história cheia de meandros e de idas e vindas estratégicas, de ambos os lados. A música tocada por Bustani e as panorâmicas do Rio de Janeiro cumprem esta função de oxigenar a mente de quem assiste, principalmente daqueles que acabam por concordar com o que é dito no documentário.

Sinfonia de um Homem Comum

Quem desconfia/sabe que o ataque do 11 de setembro às Torres Gêmeas – e todas as ações subsequentes para a concretização da Guerra no Iraque – foi um golpe por petróleo, pode se sentir um tanto irritadiço e necessitar destas breves pausas de contemplação musical ou visual. Neste sentido, também é marcante a sagacidade da montagem de Jordana Berg (Democracia em Vertigem), que insere as transições de forma pontual, revelando discursos incoerentes de estadunidenses e da mídia em geral.

Também são revelados relacionamento políticos comprometedores em Sinfonia de um Homem Comum. Um exemplo é toda a sequência que traz a figura de John Bolton, um ex-militar e diplomata, que foi contra a Bustani no início dos anos 2000. Recentemente, Bolton esteve dentro do governo de Donald Trump e elogiou a vitória do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, tecendo diversos elogios para o genocida, em rede nacional dos EUA.

Jordana explora o desvio de caráter de Bolton, suas mentiras, incoerências e apoios imorais através de sua edição veloz, que deixa que as transições, as trocas de cenas e sobreposições de imagens digam mais do que o próprio texto falado presente na narração durante a sessão. Desta forma, entre passagens do amor de Bustani pela música e seu aparente compromisso com a execução precisa de qualquer função que assuma, o diretor José Joffily constrói a imagem deste herói nacional, que viveu uma injustiça em solo imperialista.

Este é um filme sobre o tempo, sobre verdades manipuladas e as respostas que o futuro entrega. Ainda que seja tão afirmativo em defender um nome e provocar acusações – mesmo que legítimas e comprovadas –, esta é uma projeção fluida e conduzida com habilidade.

Direção: José Joffily

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