Crítica (XIII Panorama) 2: As Boas Maneiras

Um plano de carne pingando sangue, os gestos precisos e atentos da protagonista perante situações assombrosas ou uma São Paulo misteriosa, sob um olhar meio sobrenatural. Alguns elementos de As Boas Maneiras ficam incrustados na cabeça por um tempo, dando margem para uma revisita na mente de quando em quando. Dirigido e roteirizado por Juliana Rojas (Sinfonia da Necrópole) e Marco Dutra (Quando eu era vivo), o longa abriu a décima terceira edição do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema.

As escolhas de roteiro talvez sejam as que mais permanecem no pensamento. A sensação que fica no espectador é a de que existem dois filmes dentro de um. Na primeira há um clima de tensão instalado entre Clara (Isabél Zuaa) – a principal – e Ana (Marjorie Estiano), babá e patroa, que desenvolvem uma relação mais próxima. A dureza da personalidade de Clara, mesclada com a doçura e bobagens de uma Ana de classe média alta, vão ficando complexas à medida que a história progride. Na segunda metade da narrativa, outra situação é explorada, as paletas de cores mudam e a protagonista passa por uma transformação de personalidade.

O fato de essas duas ambientações existirem não seria em si uma questão problemática, porém, há uma queda na qualidade da projeção. Sejam pelas saídas que parecem inverossímeis, pela interpretação do elenco mirim que é dolorosa – chegando a desconectar a concentração na história por não apresentar muita verdade cênica e por eles desperdiçarem o texto, jogando-o sem intenções bem trabalhadas – ou pela utilização de certos clichês do gênero terror, como a existência de uma personagem que precisa esconder algo sobrenatural e todos pensam que ela é exagerada.

Outra questão é a perda da instauração da tensão estabelecida na primeira parte da trama. As cores mais sutis, os planos mais fechados, desequilibram o horror com o drama, algo que foi um ganho forte no início. A utilização destes elementos poderiam ter favorecido as necessidades da narrativa, mas acabaram levando o foco mais nas emoções das personagens, menos na situação assustadora e a falta de boas atuações – exceto Zuaa – contribuem para a desconexão com a exibição. O medo do desconhecido e as cenas de repulsa ficam marcadas no primeiro ato de As Boas Maneiras, deixando uma sensação de que ele poderia ter terminado antes mesmo das mudanças de estilos da narrativa e de Clara.

Apesar da diferença de sutileza nos diálogos, criatividade de enquadramentos e interpretações menos elaboradas, no conjunto As Boas Maneiras é uma obra relevante, que traz a reflexão sobre questões raciais, comportamentos sociais, o lugar do monstro dentro da sociedade – quem seria realmente a figura sobrenatural?

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