Crítica: Terra Estranha

É compreensível que determinadas histórias ofereçam personagens enigmáticos e que, muitas vezes, ao final dessas tramas sigamos com muitas dúvidas sobre os mesmos, nos restando apenas suposições em um oceano de dúvidas: Quem eles são? Por que agem como agem? O que os levou àquela situação? Essa oferta de perguntas no lugar de respostas logicamente formuladas não deixa de ser salutar em certos casos. Os mistérios que conduzem a própria história não precisam ser solucionados para que tenhamos uma obra que de alguma forma produza significado. As dúvidas e indagações podem fazer esse serviço. Acontece que esse não é o caso do drama Terra Estranha. O longa australiano que marca o retorno de Nicole Kidman ao cinema do seu país de criação levanta inúmeras perguntas não respondidas sobre as suas personagens e que, postas lado a lado, ao final da trama, não ajudam a torná-la uma experiência cinematográfica minimamente produtiva para o espectador.

Terra Estranha conta a história da família Parker, formada pela dona de casa Catherine (Nicole Kidman), pelo farmacêutico Matthew (Joseph Fiennes) e seus dois filhos, Tom e Lilly. Eles vivem em uma cidade no interior da Austrália tomada por um calor escaldante e por constantes tempestades de areia. Os quatro foram parar no local por razões que desconhecemos, mas que parecem estar vinculadas a um trágico evento envolvendo um dos seus filhos e que parece ainda não estar resolvido no seio familiar. Tudo vem à tona quando Lilly e Tom saem de casa durante a madrugada e os pais têm que mobilizar esforços para encontrar o paradeiro de ambos, convocando a polícia local na busca.

Todo o filme aparenta girar em torno da busca pelo paradeiro dos adolescentes que fogem dos pais, vislumbrando uma clássica narrativa de suspense. Contudo, o longa parece querer mesmo é discutir sob pontos de vista problematizadores as questões que desestabilizam a família dos jovens. O grande problema é que Terra Estranha, estreia da documentarista Kim Farrant (Naked on the Inside) na ficção, não consegue dar nem mesmo um vestígio dos seus verdadeiros propósitos quando põe “caraminholas” na cabeça do público, entre elas: há um histórico de abuso sexual de menores naquela família? O que os Parker pretendiam ao se “distanciar” de todo o passado? O que está por trás do comportamento estranho dos pais?

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Repito, não que o filme tenha por obrigação responder a todas essas questões, mas as dúvidas por si só poderiam levar a obra a um caminho minimamente produtivo de interpretações por parte do espectador. Isso não acontece. O que há aqui são apenas dúvidas que não servem ao pretenso grande mistério da história, tampouco a possíveis debates de cunho sociológico, psicológico ou filosófico que os realizadores aparentam propor. O filme indica trabalhar com uma teoria:  o desaparecimento de Tom e Lilly somado ao clima escaldante, ao isolamento e estranhamento do local levam Catherine (Kidman) e Matthew (Fiennes) ao limite da sanidade. Acontece que Farrant e seus roteiristas jamais se aprofundam nos argumentos e nos indícios dessa tese.

É certo que, plasticamente, Farrant explora bem o seu cenário, utilizando as paisagens naturais em seus tons quentes, geografia e fenômenos naturais, conseguindo criar um ambiente fisicamente agressivo aos seus personagens. Contudo, na contemplação dessa atmosfera e dos efeitos que a mesma traz para seus protagonistas, Farrant acaba não produzindo cadência ao seu próprio filme, cuja trama segue em ritmo monotônico. No sol escaldante do deserto, vemos a personagem de Nicole Kidman, aos poucos, perder a sanidade, cometendo atos extremas. Ao mesmo tempo, o controlador e autoritário patriarca interpretado por Joseph Fiennes parece evitar a participação da polícia no caso. Tudo é muito instigante, mas jogado ao léu pelo roteiro de Michael Knirons e Fiona Seres que parecem operar pela chave de um incomunicável, inatingível e levemente pretensioso “cinema de arte”.

Sem nem mesmo um vislumbre do propósito da sua trama, ou seja, do que ela pretende discutir ao tentar explorar a nuvem que paira sobre suas personagens, Terra Estranha tem a sorte de se apoiar nas interpretações entregues de atores como Nicole Kidman e Joseph Fiennes, sobretudo a primeira, que percorre caminhos bastantes complicados com Catherine. O grande problema é que o longa não está à serviço dos seus atores e sua trama de suspense e de supostas preocupações transcendentais é sabotada pela própria zona de incertezas que incompreensivelmente persiste em instaurar.

Assista ao trailer do filme: