Contato Visceral

Crítica: Contato Visceral

Antes de Contato Viseral (Wounds, no original) começar, uma citação do clássico romance O Coração das Trevas surge na tela. O trecho escolhido fala sobre um homem que ignorava coisas a seu próprio respeito, mas, quando descobre, fascinação terrível lhe domina. Como todo exercício do gênero de terror, este segundo longa de Babak Anvari (À Sombra do Medo) diz algo sobre seus protagonistas. Ou melhor, tenta.

Dono de um bar em Nova Orleans, Will (Armie Hammer, Me Chame Pelo Seu Nome) parece confortável com o fato de ter largado a faculdade e seguido a vida de bartender. Sempre brincalhão, seu estabelecimento abraça todo tipo de pessoa: mulheres obesas sem camisa; um confederado briguento; sua amiga Alicia (Zazie Beetz, Coringa), com quem possui uma tensão sexual ambígua — apesar do namorado Jeffrey (Karl Glusman, Love)— ; e claro, menores de idade.

Todavia, após uma briga generalizada desencadear, esses jovens menores saem correndo — por medo da polícia chegar — e um deles esquece o celular. Por conseguinte, Will leva o objeto para casa e, junto com sua namorada Carrie (Dakota Johnson, Cinquenta Tons de Cinza), começa a perceber coisas estranhas naquele aparelho, como mensagens de socorro chegando ou a foto de uma cabeça decapitada. Em seguida, uma espiral de loucura e baratas se espalham por Contato Visceral.

Uma das coisas mais interessantes do roteiro de Babak Anvari é como ele trabalha as frustrações inconscientes de Will. Por dentro de um homem niilista que acredita que ficar bêbado todo dia a partir das dez horas da manhã é “aproveitar a vida”, há um próprio ressentimento dele com suas escolhas do passado. Por exemplo, “malditos millenials”, diz ele, após o celular ser esquecido pelos adolescentes. De mesmo modo, quando leva Carrie para universidade, faz comentários maldosos sobre os estudantes. Evidentemente, ele está falando sobre si mesmo.

Contato Visceral

Similarmente, outra discussão fortemente presente em Contato Visceral é o do namoro psicologicamente abusivo. Enquanto Will acha que Carrie irá sair com professor da faculdade, esta acha que o celular esquecido é de uma menina que ele teve um caso. Assim, este relacionamento é marcado por um enorme desconfiança, deixando sempre um ar pesado entre os dois. Naturalmente, a assombração da trama é uma grande metáfora para esse caráter destrutivo e obsessivo do casal.

Apesar dessas desconstruções sociais com que o longa flerta, não há como não analisá-lo pelo que ele é: terror. Neste sentido, Contato Visceral fracassa completamente. Desde seus primeiros minutos, quando uma barata aparece no bar e Jeffrey afirma: “onde há uma, há milhares escondidas“, qualquer um que já tenho visto uma produção similar anteriormente, sabe que essa fala se concretizará. Além dos clichês, Babak falha em criar uma atmosfera assustadora, ao ponto que precisa recorrer a cortes rápidos de planos aleatórios para assustar o espectador. Igualmente, o diretor coloca, erroneamente, suas fichas no objeto central da trama (o celular), acreditando que a edição de som com vibrações e toques podem criar tensão.

Sem muitas explicações profundas, a entidade maligna está ligada a um ritual gnóstico. Para a religião, é através de uma ferida (wound) que se chega a transcendência e um contato com seres superiores. Obviamente, como todo terror, tal entidade tentará absorver o máximo de seus vassalos. Quando Carrie diz para Will que ele é apenas um corpo, isso serve tanto como essa explicação superficial quanto é também uma indicação de sua essência. O protagonista é uma pessoa sem ambições e conteúdo, algo que ele vai descobrindo ao ter contato com essa experiência.

Graças a um bom trabalho de Armie Hammer, Will consegue passar essa imagem do típico homem acomodado e despreocupado, ainda que guarde alguma fagulha dentro dele. Entretanto, nem sempre o roteiro ajuda o personagem, como uma estranha habilidade com malabarismo no início da trama que nunca tem função. Por outro lado, Zazie Beetz é sua figura antagônica, que, além de servir para que seja constantemente lembrado do passado, mostra um propósito em sua existência. Já Dakota Johnson, que possui menos atenção do roteiro e aparece a maior parte do tempo mostrando as pernas, é apenass outro artifício para expor verdades à Will.

Por fim, Contato Visceral é um péssimo terror que, de alguma maneira, consegue funcionar como retrato do privilégio branco masculino. Will é, no fundo, aquela pessoa destrutiva que nunca viu esse potencial negativo em si, preferindo acreditar que o mundo conspira contra ele. Por isso, nada mais apropriado do que a principal ameaça do filme estar representada num celular, um aparelho tão obsoleto quanto ele.

Direção: Babak Anvari

Elenco: Armie Hammer, Dakota Johnson, Zazie Beetz, Karl Glusman

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