Ad Astra

Crítica: Ad Astra – Rumo às Estrelas

Desde os tempos das tragédias gregas — ou melhor, desde a existência da humanidade — a relação entre pai e filho é representada conturbadamente, como em Édipo Rei. Existe uma inerente cobrança, tanto interna quanto externa, do filho ser um fiel espelho de seu progenitor. Afinal, ele é seu primeiro referencial e modelo a ser seguido. Assim, tal sentimento cresce com o garoto, se tornando uma obsessão e frustração quando ele percebe não ser uma cópia do pai. Aliás, o uso do gênero masculino até aqui não é coincidência. Há um masculinidade tóxica envolvida que não permite uma total troca de afetos entre ambos, virando até uma lógica de tensão, de certo modo. Bem, mas o que isso tudo tem a ver com Ad Astra, um sci-fi?

Assim que Ad Astra começa, um letreiro vermelho diante de um fundo escuro anuncia o recorte temporal da narrativa, o futuro: um lugar de esperança e conflitos. Posteriormente, essa imensidão preta permanece e estamos diante de Roy McBride (Brad Pitt, Era Uma Vez em Hollywood) trabalhando em uma estação espacial, com a azulada Terra ao fundo. Após o acidente, a câmera de James Gray (Z: A Cidade PerdidaEra Uma Vez Em Nova York) capta a queda do astronauta à Terra, alternando entre contemplativos planos gerais, que demonstram sua pequenez diante do espaço, e frenéticos planos subjetivos, que rodopiam e chacoalham que nem o astronauta.

Sem nem estar totalmente recuperado, Roy descobre uma revelação chocante. A falha na estação havia sido graças a Sobrecarga, uma energia vinda de Saturno e que ameaça toda a vida no sistema solar. Não só isso, mas ela também estaria sendo causada por um veterano e pioneiro astronauta considerado morto, ao sair para buscar vida extraterrestre anos atrás. Sem mais delongas, trata-se de Clifford McBride (Tommy Lee Jones, Jason Bourne), seu pai. Portanto, Roy parte em uma jornada emocional para achá-lo.

A estrutura narrativa de Ad Astra é simples: o protagonista vai pulando de nave em nave e planeta em planeta até chegar ao seu destino, em uma linda jornada. Todavia, isso não significa que o filme seja apenas uma viagem contemplativa e de autoconhecimento. Para trazer dinamismo, o roteiro de Gray encaixa algumas sequências de ação, mostrando a versatilidade do diretor ao filmar tensas sequências, como a da perseguição espacial pirata à la Mad Max: Estrada da Fúria.

Ad Astra

Sem dúvidas, um dos motivos de seu sucesso (e o que torna obrigatório assisti-lo no cinema) é a forma como cada cenário é um mundo à parte. Futurista, limpo e até meio depressivo, o excelente design de produção é como um filho entre Blade Runner 2049 e 2001: Uma Odisseia no Espaço. As cores são muito variadas e auxiliam nessa diferenciação: há o azul melancólico de Netuno e da Terra vistos do espaço; o amarelo e o vermelho quentes de Marte; o roxo, verde e laranja se alternando na iluminação interna das espaçonaves. Além disso, em um momento de revelação para Roy, a sala holográfica em que está vai variando de cor conforme seus sentimentos.

Entender o rumo que Ad Astra toma passa por compreender a cosmologia presente na carreira de James Gray. Com 6 trabalhos, os temas sobre uma família disfuncional e, consequentemente, a busca por aprovação, são muito importantes para o diretor. Em Z: Cidade Perdida, juntamente com Amantes (uma obra de arte), ele já trazia um outro tópico crucial que é retomado: a obsessão pelo inalcançável.

Por consequência, a odisseia de Gray vai além de um espetáculo visual. Ela é, principalmente, uma viagem introspectiva na mente de Roy, que vive em conflito interno e na ânsia de conhecer o pai. Como é um protagonista calado e isolado, o filme usa de voice-overs e repetidas cenas em que precisa se autoavaliar emocionalmente para uma inteligência artificial. Apesar da narração em off fazer sentido dentro da solidão do personagem no infinito espacial, ela soa deveras expositiva e, por mais poética que seja, impede a catarse em certos momentos.

Em outras palavras, a atuação de Brad Pitt é fundamental para toda a organicidade de Ad Astra. Provando que é um dos maiores nomes de sua geração, os close-ups de Gray deixam o astro trabalhar a personalidade insegura de Roy. Vivendo às sombras do pai, considerado um ídolo por todos da NASA (o que o roteiro faz questão de exagerar propositalmente), é possível enxergar como ele se encontra perdido em uma encruzilhada. Ao mesmo tempo que quer rever sua figura modelo, ele parece temer a iminência de tal encontro, que acabaria com a imagem idealizada de Clifford.

Já Tommy Lee Jones, guardado para o último ato, consegue em pouco tempo mostrar como seu personagem chegou no ponto que se encontra. Neste sentido, é interessante a forma como Gray apresenta Clifford, mostrado de baixo para cima, ressaltando sua figura idealizada, e atrás de uma grade, representando o afastamento. Quem cumpre a lacuna paterna deixada por ele é Thomas Pruitt (Donald Sutherland, Jogos Vorazes: A Esperança – O Final), servindo de mentor para Roy.

Misteriosa, Helen Lantos (Ruth Negga, Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos) surge como Deus Ex Machina para dar informações cruciais do passado. Entretanto, Eve (Liv Tyler, franquia Senhor dos Anéis), mulher de Roy, é deixada de lado, o que não seria surpreendente se não fosse a escalação de uma atriz desse porte.

Em contrapartida, quem espera que Ad Astra seja repleto de elementos futuristas irá se decepcionar. Antes de tudo, ele é uma belíssima e existencialista obra sobre drama familiar. Neste sentido, é injusto — e perda de tempo — cobrar da narrativa uma fidelidade técnicaque volta e meia é abandonada em detrimento de uma liberdade poética. Aliás, se em Z: Cidade Perdida, Gray mostrou a Amazônia de maneira mais intimista, ele faz o oposto desta vez. O espaço faz um interessante contraste com a busca de Roy, amplificando o sentimento de vazio, solidão e pequenez.

Construída gradualmente, a catarse através da dor chega tanto para o protagonista quanto para o público. Não é de hoje que o gênero de ficção científica é usado como pano de fundo para explorar a natureza humana. Felizmente, James Gray compreende perfeitamente isso. Por fim, Ad Astra é emocionante para todos aqueles que buscam uma aprovação que nunca precisaram, além de trazer uma mensagem para toda a humanidade. O ser humano é um fim em si mesmo, até que ponto a busca pelo inatingível irá acrescentar algo? Menos foco no além e mais foco no que está ao nosso redor.

Direção: James Gray
Elenco: Brad Pitt, Tommy Lee Jones, Liv Tyler, Ruth Negga, Donald Sutherland

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