A Matéria Noturna é aquele tipo de obra que pode ser divida em várias e, por isso, possui qualidades narrativas distintas. Aqui, o público se depara com três momentos: a trajetória de Jaiane (Shirlene Paixão), a de Aíssa (Welket Bungué) e o encontro dos dois. Enquanto se acompanha a jornada de Jaiane há toda uma crescente que é explorada no enredo. Há um estabelecimento de tensão e o sentimentos da personagem são explorados com cuidado.
Isto porque existe tempo de tela e com planos mais longos, o público consegue observar e compreender o que Jaiane está passando em sua volta, quais são as configurações e conflitos presentes em seu cotidiano. Neste universo, também habita o medo e uma atmosfera de suspensão em instaurada. Algo ronda a jovem, que procura encontrar proteção e alegria no que a cerca, como seu trabalho e sua família.
No entanto, uma quebra é criada na trama e quem assiste é levado a seguir por outro rumo. Por alguns minutos, Aíssa ganha o protagonismo dentro do longa-metragem. É necessário algum tempo para começar a se ambientar por esta nova lógica, mas a história passa a fluir novamente. Contudo, até que esta fluidez se estabeleça outra vez, tudo parece truncado e resetado. Além disso, o filme fica um tanto óbvio a partir desta virada no roteiro.
Jaiane e Aíssa vão se conhecer. Este fato está nítido. Todavia, o que incomoda são as voltas que a obra dá até que isto aconteça. É a partir do segundo ato que a falta de equilíbrio narrativo se torna forte ao ponto de afetar o seu resultado geral. Se no início da projeção as coisas tomavam tempo para serem desenvolvidas, do meio em diante são convocados diversos saltos temporais, que podem tornar a fruição da produção um pouco confusa.
Algumas situações são abandonadas no meio do caminho e não há retorno para elas, como na inserção da figura de uma amiga que pede para que Jaiane cuide de seu cachorro, porém, apesar de ter concordado em ficar com este pet, o animal jamais aparece. Talvez, se não fosse dada tanta importância ou espaço para esse diálogo delas no longa, este dado não incomodasse de forma tão intensa.
Mas, A Matéria Noturna peca em saber transmitir o que deseja contar a final e o caminho é tortuoso. Esta é sim uma história de amor, sobre duas pessoas quebradas que se encontram e dão algum sentido para suas existências neste processo. No entanto, falta liga neste material, para criar uma coesão e uma força. Questões técnicas geram desconfortos em algumas sequências também.
A câmera parece sempre instável, o foco se perde e a iluminação tem variações qualitativas. A fotografia poderia ser melhor executada e este fator nem sempre é um problema, se o filme se sustenta, de alguma maneira. Contudo, quando o espectador é retirado do mundo ficcional, quando a tecnicidade interfere na recepção e há uma ruptura na imersão, estes pontos se tornam um defeito.
Ainda assim, algumas coisas mantém possível a conexão com a obra. A primeira é qualidade das atuações de Shirlene e Welket. Ambos possuem uma construção de personagem firme, consciente e que investe em olhares e movimentações de cena para fomentar as emoções das suas personagens. Quando os intérpretes estão juntos no ecrã, esta potencialidade aumenta ainda mais.
O jogo de cena de Shirlene e Weilket permite uma aproximação da plateia com Jaiane e Aíssa. Há uma química forte entre o casal e isto ocorre também porque eles brincam com as intenções do texto, deixando abertura para que o outro crie, ao mesmo tempo em que eles parecem aproveitar as invenções um do outro. Um exemplo é o banho entre Jaiane e Aíssa, quando o rapaz se bate no vidro do chuveiro e a namorada dá risada, a identificação com a situação é imediata, elevando a ligação do público com o que está sendo mostrado.
Desta maneira, A Matéria Noturna possui um potencial alto, porém que não foi bem explorado. A ausência de um apuro estético ou zelo com o próprio conteúdo que se tinha em mãos, fez com que a qualidade da obra fosse sendo reduzida a cada minuto.
Direção: Bernard Lessa
Elenco: Shirlene Paixão, Welket Bungué, Altamir Furlane
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