Existem alguns filmes que você entende de primeira por que foram indicados ao Oscar. “Ela” é um deles. Com um enredo particularmente interessante, onde o mote principal é um homem que vive num futuro não tão distante e que se fecha na tecnologia, se afastando do mundo real, o filme atrai a atenção do espectador do começo ao fim. De cara, a pessoa pensa que será aquele tipo de longa seco, extremamente prático e tecnológico, sem uma narrativa especialmente incrível. Ledo engano. “Ela” prova que existe amor no meio eletrônico.
Joaquim Phoenix (“Amantes”) interpreta Theodore Twombly, um homem que está passando por um doloroso processo de separação e trabalha em uma empresa que cria cartas para as pessoas. Ele é cercado por Amy, vivida pela querida xará Amy Adams (“Trapaça”), e o marido Charles, que é interpretado por Matt Letscher (“A Máscara do Zorro”). O casal é vizinho do protagonista e têm uma relação estranha e sem paciência, onde Twombly entra como certo pacificador. O filme traz ainda Rooney Mara (“Millennium – O Homem Que Não Amava As Mulheres”) como a esposa surtada que decidiu pedir o divórcio, Olivia Wilde (“As Palavras”) como a candidata à namorada que sai com o protagonista e Chris Pratt (“Cinco Anos d eNoivado”) como o divertido colega de trabalho com quem ele sai num “double date” (saída de casais).
A sociedade vive num futuro onde a tecnologia engoliu todas as relações e as pessoas estão cada vez mais distantes de quem está ao lado e próximas de quem está do outro lado da tela. O celular virou um pino no ouvido que pode ser acionado por comando de voz, os computadores não têm mais teclado e os videogames estão em outro nível de interação. O interessante, no entanto, é que é algo completamente possível e provável de se acontecer. Não é aquele estilo de filme onde os carros voam e as pessoas se alimentam de ração. A vida segue parecida, o papel ainda é utilizado e as praias ainda são frequentadas. A questão principal é que as pessoas estão cada vez mais isoladas.
Provando o mote principal, o protagonista segue em uma vida rotineira, sem alterações e vazia. Com medo de se relacionar, ele prefere entrar em salas de bate papo para ter algum “contato” com uma mulher. A virada acontece quando ele decide comprar um novo sistema operacional que acaba de ser lançado, onde a voz não apenas responde metodicamente o que a pessoa pergunta, como interage com ela. O tal OS tem, literalmente, uma personalidade. Theodore então começa a conversar com Samatha, nome escolhido pelo próprio OS e que é interpretada por Scarlett Johansson (“Vicky Christina Barcelona”). É incrível como conseguimos entrar no filme de tal forma que começamos a esquecer que aquilo se trata de um sistema operacional e que escutamos apenas a voz. Scarlett consegue fazer um trabalho tão bom, que apenas com sua voz sensual, ela cria um personagem incrível. Ao mesmo tempo, Phoenix consegue carregar boa parte do filme nas costas, já que dialoga com uma máquina na maior parte do tempo e interage brevemente com as pessoas. Ele mostra tal naturalidade e certeza na interpretação, que o espectador se envolve minuto a minuto na trama.
Sem querer dar muitos spoilers, o escritor começa a se relacionar com o sistema operacional a ponto de se tornaram namorados. E posso afirmar com toda certeza que isso não é nada estranho na narrativa. O diretor Spike Jonze (“Quero Ser John Malkovich”) consegue criar uma atmosfera tão impressionante que o espectador se comove com a relação e suas peculiaridades. A direção de fotografia criou cenários e visuais que casam perfeitamente com a melancolia do protagonista e da própria relação amorosa com o OS. Muito foco em iluminação que se assemelha a natural, cenários interessantes como o da praia e combinações de trajes. Por falar no figurino, este mostra a peculiaridade da história, trazendo roupas de estilo antiquado, meio que contradizendo todo o avanço tecnologia. Entendo como uma analogia a demora da sociedade em responder aos avanços tecnológicos e como é difícil mudar tradições enraizadas. Essa ideia casa perfeitamente com a “nova relação” que o filme propõe, que causa estranhamento na maioria dos personagens.
Talvez seja engraçado pensar dessa forma, mas o filme trata-se de uma linda e comovente história de amor. O choro surge em muitos momentos, especialmente na cena em que o casal principal transa pela primeira vez. O uso de tela negra faz com que o espectador se concentre mais nas falas e viva os personagens. É de uma delicadeza impressionante e emocionante. O mesmo nos passeios que o casal dá e conversas jogadas fora.
Jonze traz um filme que infelizmente, pelo ano disputadíssimo em que está, não deve (nunca se sabe) levar a melhor no Oscar, mas merece muito a indicação e disposição do espectador em ver. Com uma proposta inovadora e improvável, o diretor consegue sair do comum de filmes que se passam no futuro, trazendo uma realidade possível (e provável) e trabalhando o amor na geração em que as pessoas conversam cada vez menos cara a cara.