Desencantada

Crítica: Desencantada

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Misturando live action e animação 2D, Encantada da Disney foi uma das produções mais bem-sucedidas de 2007. O longa de Kevin Lima, que em 1999 havia dirigido para o estúdio a animação Tarzan, conversava muito bem com os clássicos contos de fadas da Disney como Cinderela, Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela Adormecida e A Bela e a Fera, em uma espécie de pastiche com as marcas narrativas desses trabalhos. A princesa Giselle, vinda do mundo animado em 2D de Andalasia, era uma mistura de todas as princesas dos musicais clássicos do estúdio. Ao mesmo tempo que Encantada tinha bastante personalidade e carisma, com uma atuação primorosa de Amy Adams, possivelmente, uma das melhores de sua carreira, era uma empolgada homenagem à própria história da casa.

Muito se pediu uma continuação de Encantada e ela só está chegando para o público quinze anos depois do lançamento do original. Como aconteceu com Abracadabra, a Disney resolveu transformar Desencantada em uma produção original do Disney Plus. A continuação até tenta resgatar os traços que garantiram o sucesso do filme anterior, como a performance de Amy Adams e os números musicais que reverenciam o legado Disney, mas ao trazer seus personagens urbanos para um reino fantástico parte do que fazia Encantada ser tão divertido (o choque de costumes de personagens do mundo dos contos de fadas na selva de pedra que é Nova York) se dilui, sobretudo, porque aqueles personagens, tanto os nativos de Andalasia como os novaiorquinos, já não estranham mais as diferenças gritantes entre os dois mundos, mas também porque o roteiro de Desencantada não colabora muito para contornar essa situação proporcionada pelo desfecho bem amarrado do primeiro longa.

A princípio, há um conflito central em Desencantada: com a adolescência de Morgan, Giselle (Adams) já não se entende mais como antes com a enteada. Tentando reverter esse conflito familiar, Giselle realiza um feitiço que torna a vida de todos um novo conto de fadas nos moldes da sua Andalasia. O problema é que o feitiço traz um revés para Giselle, ela gradualmente vai se transformando em uma madrasta má. A situação traz ainda mais problemas para a protagonista já que ela atiça a ira da verdadeira vilã daquele reino interpretada por Maya Rudolph.

Desencantada sofre pelo excesso de tramas e personagens e, ao mesmo tempo, deixa no público a terrível sensação de que, no fundo, não há nada a ser dito com aquela história. O conflito entre enteada e madrasta degringola em uma disputa de vilãs pela governança do reino. Há ainda o risco do desaparecimento de Andalasia, um interesse amoroso para Morgan e a crise de meia idade de Robert (Dempsey). Tudo isso, disputa o tempo inteiro a atenção do espectador e nenhuma dessas tramas sai ganhando nessa batalha porque todas são absolutamente desinteressantes, afinal, pulando de uma para outra, o máximo que Desencantada consegue fazer por elas é deixar claras as suas premissas, sem desenvolvê-las a contento.

Desencantada

O mais chocante de tudo é que nem mesmo os números musicais de Desencantada trazem algum interesse para o filme pois todos são dirigidos com uma impressionante falta de criatividade por Adam Shankman Friso “impressionante” porque Shankman é notório pela sua habilidade com musicais, já tendo conduzido com inventividade todos os números musicais de Hairspray em 2007. Aparentemente, estamos lidando com o diretor certo para esse projeto, afinal, assim como no filme de 2007 do diretor, os números musicais de Desencantada tem elementos de paródia, humor etc. O que vemos na tela é um compilado de performances musicais completamente protocolares.

Do elenco, Amy Adams é quem se salva com folga. Adams tem ótimos momentos quando oscila entre a Giselle que já conhecemos, bondosa e ingênua, e sua versão madrasta má, mostrando, mais uma vez, como é uma atriz cheia de recursos. O mesmo não pode ser dito dos seus colegas de elenco. Na verdade, a maioria sequer tem a oportunidade de mostrar algo mais interessante já que Desencantada parece estar sempre disperso na tentativa de dar atenção a um ou outro núcleo isolado. O personagem de Patrick Dempsey passa a maior parte do filme entretido no plot improdutivo e anacrônico de se provar como o herói dessa história; James Marsden e Idina Menzel retornam como Edward e Nancy, mas não têm muito o que fazer na continuação; e Maya Rudolph interpreta uma vilã bem desinteressante se comparada com a ótima Rainha Narissa de Susan Sarandon no primeiro filme.

Como alguns projetos que ganham continuação tardia, talvez fosse certo não ouvir os apelos dos fãs no caso de Encantada. Desencantada mostra porque os contos de fada devem terminar no “felizes para sempre”: não há nada de produtivo depois disso. Aqui, tudo soa como “enrolação” ou apego nostálgico. A continuação de Encantada mostra como o público e a indústria tem que aprender que para o bem dos seus próprios produtos e para a renovação de memórias afetivas (o que não significa “jogar no lixo” o passado), temos que aceitar o fim das coisas antes que sua reciclagem seja motivo de lembranças amargas como é o caso de Desencantada.

Direção: Adam Shankman

Elenco: Amy Adams, Patrick Dempsey, James Marsden, Idina Menzel, Maya Rudolph, Gabriella Baldacchino, Yvette Nicole Brown, Jayma Mays

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