Um Outro Francisco

26º Festival Cine PE: Um Outro Francisco

4.5

Existe um lugar destinado para as obras que compõem o cenário da arte erudita, clássica e/ou do cânone. Há um tipo de fotografia que integra este cenário artístico. Mas, fotos vão além disso. Elas também são registros que podem ser pessoais e íntimos ou, após o surgimento das redes sociais, ferramentas de exposição para os próximos ou para quem quiser ver. Explorar os graus dessas separações, os valores das imagens e os olhares possíveis para elas parece ser a missão de Margarita Hernández (Uma Nação de Gente) em seu novo documentário, Um Outro Francisco.

Para representar esta “fotografia artística”, a diretora e roteirista convoca dois fotógrafos italianos, que viajam para Canindé para cobrir a festa dedicada ao santo São Francisco, uma das maiores celebrações do país. Neste contexto, o ponto mais alto e mais baixo do longa-metragem convergem. Aqui, Hernández acerta ao dar voz para os habitantes da pequena cidade e seus visitantes. O público se depara com as interpretações das fotos destes italianos, que possuem anos de experiência na área, mas que são criticados negativamente também.

O que mais chama a atenção são as respostas que a população dá para todo material fotografado dentro da região, – pessoas que possuem amigos, familiares, vizinhos, conhecidos etc -, porque eles sabiamente questionam as escolhas dos fotógrafos europeus. Enquadramentos, desfoques, seleção de objetos fotografados, todas as perguntas e análises são sim vindas de leigos, mas são questionamentos que muitas vezes não são feitos por especialistas pelo receio de desafiar o cânone. 

Ao mesmo tempo, estas passagens podem incomodar alguns espectadores, justamente porque: 1. algumas personagens escutadas são colocadas em um espaço de exposição maior, o que pode imprimir um tom de julgamento da equipe do filme ; 2. No terceiro ato do longa, são mostradas as interpretações de quem viu as fotos dos italianos no museu. Há um teor de xenofobia e elitismo nas falas destas pessoas, que deixam um nó na garganta. Talvez, o mais relevante de se investigar em uma sessão de Um Outro Francisco seja, na verdade, a reação da plateia.

Na exibição durante o 26º Cine Pe foi sintomático observar quando as risadas emergiam. Um exemplo é a cena em que uma moça olha para uma fotografia dos italianos e dá nota 8, porque falta para ela que seja mostrada a alegria do festejo também. A sala do cinema ficou coberta de risadas. Sobre o que eram aqueles risos? A resposta eu deixo para a mente do leitor, mas esta que vos escreve acha justíssima a avaliação da jovem, já que a sua opinião não foi feita de maneira ofensiva, aquele era seu olhar e sua opinião fora solicitada.

No entanto, o documentário vai além desta discussão principal – que por si só poderia render artigos, dissertações e teses -, mas há também uma criação forte de sentido através do roteiro e da direção de Margarita, que trabalha ao lado de Rogério Resende na fotografia. Há uma narrativa nítida criada na tela, que aproxima o público da itinerância dos europeus em terras brasileiras, bem como com a energia de Canindé, que salta do ecrã, através de planos longos da procissão, dos rostos de seus transeuntes e dos momentos de entrevista. 

Margarita Hernández consegue ir além da “cabeça flutuante” pelo o que ela procura em cada personagem. São suas perguntas que aumentam o interesse de quem assiste, porque são elas que conseguem desvendar o que se passa na mente dos entrevistados, principalmente de suas personagens principais. Margarita entrega toda essa riqueza de sentidos, metáforas e interpretações de suas personagens utilizando muito mais planos abertos. É como se ela não quisesse perder nenhum detalhe e quisesse agregar o máximo de objetos para a sua composição. 

Esta lógica é oposta as fotos de suas personagens principais, que estão – como é dito dentro do doc, inclusive – mais interessados em recortes do momento fotografado. Margarita é o plano geral, que se expande na tela e dá espaço para que Canindé seja ensolarada, colorida e festeira, como aquela transeunte que ganhou risadas na projeção do Cine PE gostaria que fossem as fotos dos europeus, que gostam do P&B, do artístico de museu. 

Na verdade, a arte é livre para habitar todos estes mundos e Margarita Hernández parece saber disso. Aqui é quando a discussão sobre a imagem é verbal e visual. Um Outro Francisco provoca e abre margem para discussões, porém também para a contemplação.  É um cinema grande o de Hernández.

Direção: Margarita Hernández

Assista ao trailer!

Um outro Francisco from Margarita Hernandez on Vimeo.

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