Por onde começar uma crítica sobre Deus me Livre, um filme que trata de um assunto tão devastador e recente? Já se é sabido que a pandemia do Coronavírus levou e afetou a vida de milhares de brasileiros. Entre os colapsos dos hospitais, falta de oxigênio e um país em ruínas, por conta de um presidente genocida, existe ainda os estragos todos que acontecem, enquanto este texto é escrito e todas as consequências que estão sendo e irão ser colhidas.
Neste contexto indigesto, Carlos Henrique de Oliveira e Luis Ansorena Hervés trazem a história de pessoas que estão em um dos piores locais possíveis durante a Covid-19 – que não acabou, diga-se de passagem. Acompanhando a rotina de sepultadores, que trabalham no cemitério que contou com a maior quantidade de mortos por Corona da América Latina, a angústia e a tensão são sentidas em cada minuto de projeção.
O jogo entre apresentar estes homens em suas rotinas, com momentos leves e/ou descontraídos e colocar todo o medo deles em relação ao vírus é o que aumenta esta sensação de suspensão durante o curta. A gravidade das situações vividas pelos sepultadores vai se ampliando, à medida que colegas, amigos e familiares começam a se contagiar com a Covid.
Esta sensação toda que a produção passa é fomentada nesta mescla já apontada, de se deparar com a realidade da dinâmica dos enterros, juntamente com os “bastidores” deste processo, que são os instantes nos quais são estabelecidos os diálogos entre os funcionários do cemitério. Neste sentido, algo que aumenta mais esta imersão aqui é a lógica de distanciamento criada por Carlos e Luis.
A câmera parece sempre imprimir um olhar externo, como se os diretores não estivessem presentes. Apesar disso, é esta estratégia que aproxima o público ainda mais, principalmente pelo fato das personagens conversarem constantemente entre si. Este recurso é até comum, mas nem sempre funciona neste sentir-se próximo. Em Deus me Livre é um caminho acertado.
Dentro dos elementos constitutivos positivos, algumas questões não ornam tão bem com a estilística da obra. Existe uma aparente vontade em tratar de religiosidade. No entanto, o tema fica um tanto deslocado dentro da narrativa. Algumas sequências mostram cultos ou conversas sobre religião. Mas, a discussão não avança, muito menos é criada uma conexão entre o foco principal do enredo.
Assim, mesmo que morte e espiritualidade estejam imbricadas no imaginário da sociedade, aqui os assuntos ficam blocados. Por este motivo e por tão somente juntar informações durante a exibição, falta uma conclusão argumentativa para o documentário. O seu encerramento é um tanto abruto e resta ao público completá-lo.
Esta característica não é exatamente algo negativo, mas não funcionar em Deus me Livre justamente porque falta conectar temáticas, revelar direcionamentos mais precisos e/ou fomentar a argumentação através dados. As saídas poderiam ser múltiplas, porém deixar o resultado total mais coeso seria a melhor forma de concluir este trabalho, elevando sua força.
Direção: Carlos Henrique de Oliveira e Luis Ansorena Hervés