A criatividade é um poder forte no cinema, sobretudo quando uma premissa inventiva está sob a égide de um roteirista e/ou realizador talentoso. Daniel Nolasco, que assina ambas as funções em seu O Cavalo de Pedro, se encaixa perfeitamente nesse caso citado. Convocando o recurso do mockumentary (documentário falso), o público acompanha uma sessão repleta das explosões de seu estilo pulsante, que mistura crítica social, tesão e humor.
É bem verdade que esta é uma versão mais leve de Nolasco, em termos de carga dramática. Aqui, este é um acerto. O espectador não sabe em nenhum momento da exibição quais serão os limites do real e do imaginário das vivências de D. Pedro I no Brasil ultrapassados, atropelados, esgarçados, ridicularizados, tensionados e explicitados na trama deste curta-metragem.
Para se valer da linguagem que deseja imprimir, há uma escolha cuidadosa do tempo de cada plano, como na sequência do sexo na bandeira do Brasil Imperial. Os corpos de homens desnudos ou os beijos homoafetivos permanecem no ecrã longamente. Há um quê de resistência e de provocação do questionamento do que é este “ser masculino”, do que é essa suposta “macheza”, celebrada por uma sociedade tola e tóxica? Sim.
Todavia é mais do que isso o cinema de Nolasco (além de também sempre o ser). Ele é fervor apaixonado, com doses certeiras de escárnio. O tiro no opressor homofóbico é um exemplo de como o cineasta sabe transitar entre o cômico e o trágico para entregar seu discurso. Neste sentido, a montagem de Luciano Carneiro (Peixe Abissal) fomenta essa conexão entre o histórico e o inventado, o libertário e o opressor, o engraçado e o doloroso.
Os cortes de Carneiro entregam o que parece já vir do roteiro de Daniel Nolasco. Há uma espécie de desejo aqui – e desejo é uma palavra boa para falar de qualquer coisa desta obra – em imprimir no ecrã construções múltiplas de sentido, que podem afetar quem assiste de maneiras distintas, a partir do próprio repertório de cada um. Ainda que a recepção seja exatamente isso, em O Cavalo de Pedro isto se faz ainda mais presente.
Existe um filme que se apresenta com um discurso geral, que vai alcançar a plateia em um sentido mais amplo. Contudo, há também a sensação de que cada indivíduo que sentar na poltrona do cinema ou na cadeira de casa, irá se apagar, se atentar e fruir aquelas imagens diferentemente. Para esta que vos escreve, a força do tesão homoafetivo move ideias, paixões, alucinações, fantasias, vontades.
Esta conexão carnal homoafetiva seria, assim, este impulsionar eterno de uma humanidade que soa, tantas vezes, seca de desejo – olha a palavra aqui de novo! Mas, para além das emoções exclusivas, existe a solidez do curta, que traz esse invólucro de temas, que podem soar distantes para quem está do lado de fora da projeção e tão ligadas para quem acompanha o enredo deste filme.
Assim, estar presente plenamente, pensar os lugares do homem e da humanidade na história e na contemporaneidade, a partir de beijos gays, longos quadros de corpos masculinos se tocando e despertando prazer um no outro, é o cinema de Nolasco, é um cinema necessário – como tantos outros. O tesão sem dúvida, em todas as suas possibilidades, move o cinema, move a arte, a política, move o mundo!
Só alguns detalhes escapam a O Cavalo de Pedro. Infelizmente, algumas atuações não dão conta da proposta da produção. Além disso, a iluminação de certas sequências, principalmente nas internas, deixa a desejar, com sombreamentos que não revelam as expressões das personagens em sua totalidade. A exibição não fica menos prazerosa por estes motivos, porém a imersão poderia ser mais intensa, caso todos os aspectos fossem apresentados coqualidade unificada.
Direção: Daniel Nolasco
Elenco: Guilherme Theo, Harry Lins, Conrado Helt
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