A morte é a certeza derradeira de todos que habitam o Planeta. A única diferença, talvez, seja a forma como cada pessoa, cada povo, lida com a despedida final de seus entende queridos. Pensando nesta perspectiva aqui em Lidando com a Morte, uma empresa que oferta serviços funerários, especializados em multicultura, na Holanda, decide fazer uma ampla pesquisa com estrangeiros. O objetivo, teoricamente, é entregar melhores condições possíveis de negócio, em sua nova sede.
A figura central que agencia os encontros com pessoas de diversos países é Anita Van Loon e é do ponto de vista dela que Lidando com a Morte conta a sua história. Aqui, temos um ponto principal que é consequência desta escolha. O fato de Anita ser uma mulher branca europeia mostra o quanto a população deste continente tem em seu imaginário um pensamento de superioridade.
Um exemplo disto é a cena na qual Anita conversa com um empresário e eles comentam sobre como é importante que a população “autêntica” da Holanda também entre nos planos de cobertura da instituição. Além disso, enquanto Anita se reúne com os supostos outsiders e tenta aprender um pouco da cultura deles, há desconforto e até constrangimento nela e em seus colegas de trabalho, em sua maioria homens e todos brancos.
Em meio a risos nervosos e surpresas com as demandas, a vergonha é sentida do outro lado da tela, passando o sentimento para o espectador. Neste contexto, o documentário tenta se eximir de emitir alguma opinião sobre o que é mostrado. Aparentemente, o diretor e roteirista Paul Rigter (Crush) procura emular um olhar de fora, que observa as situações sem interferir nelas.
A câmera de Lidando com a Morte é onisciente, mas sem revelar suas intervenções. É como se as personagens não fossem influenciadas pela filmagem. O tom de naturalidade é uma busca central aqui. No entanto, a estratégia de Rigter não é tão bem sucedida, pois, como já se é sabido, a neutralidade é um mito. O que mais chama atenção no longa é, justamente, a centralização da figura de Anita.
Quem ela escuta não tem espaço mais amplo na obra, não são ouvidos, nem acompanhados. A cada sequência, o público pode sentir um distanciamento maior em relação aos estrangeiros. Seus atos e ritos são registrados, porém sempre como se estivessem longe do foco principal, porque suas vozes não são efetivamente escutadas. deixando nítida a seleção de Rigter e o que ele quer contar, de fato. Não parece ser a intenção da produção compreender múltiplas opiniões sobre Anita e o local que ela trabalha.
Inclusive, a própria decupagem confirma esta sensibilidade para com Van Loon, que ganha planos mais fechados em suas expressões faciais e emoções, bem como um tempo de tela com menos movimentações de câmera, fazendo com que quem assiste possa ser envolvido com a sua dinâmica, sua forma de ver o que a cerca. Do outro lado, tem-se justamente o oposto.
Desta forma, o conteúdo é bastante enviesado em Lidando com a Morte. Ainda que seja impossível realizar qualquer produto imparcial, pois ninguém é nulo de experiências prévias e ideologias, a tentativa em chegar o mais próximo disto poderia ser válida. Porque, no final das contas, o filme acaba se perdendo na narrativa de Anita e em todo estranhamento cultural blasé holandês e gasta a chance de realmente investigar e entender as distintas maneiras de se lidar com a morte.
Direção: Paul Rigter