Filho de Boi

Mostra de São Paulo: Filho de Boi

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O silêncio e os olhos que observam o mundo. Estes são traços fortes da personalidade de João (João Pedro Dias) e que compõem a camada mais básica de sua personalidade. O primeiro ato da obra Filho de Boi traz elementos que fomentam esta característica do protagonista. Enquadramentos mais abertos, intercalados com planos detalhes, ambientam o espectador naquele espaço solitário, quente e terroso no qual João vive. A ausência de palavras saídas de sua boca fazem bastante sentido dentro deste cenário. Logo nos primeiros minutos, a relação dele com seu pai (Luiz Carlos Vasconcelos) também é apresentada e faz com que exista uma ampliação ainda mais intensa de como funciona o mundo de João.

O contexto parece um tanto duro, mas o contraponto com a atmosfera deste local é a sensibilidade de João. Desde o princípio, vê-se o seu carinho e respeito aos animais, a sua paciência e sua conexão com a natureza. Todas estas questões são fortalecidas pela captura de imagem, que sabe quando parar e movimentar a câmera, bem como no som, com os ruídos que ajudam na composição deste universo ficcional. Além disto, após a chegada do circo na sua cidade, há uma virada narrativa que aumenta a complexidade de João, de seus anseios e pensamentos.

Progressivamente, o público de Filho de Boi vai recebendo mais informações sobre o garoto, seu passado e seus desejos. Nesta construção, a arte entra como força principal, para o start de sua libertação das amarras impostas pela vida. Em um jogo lento de desnude das personagens dentro da narrativa, Paula Gomes e Haroldo Borges (Jonas e o Circo sem Lona, ambos) conseguem deixar claro os traços de todas as figuras do enredo. Até o pai marrento possui sensibilidade e toca a sua sanfona com paixão. Claro, as pessoas são mais diversas do que uma visão superficial pode evocar e este é o principal ganho desta produção. O material, no geral, é rico e cuidadoso. O estabelecimento e a manutenção das relações também são bem elaborados. A dinâmica entre os atores ajuda nesta criação.

O único incômodo um tanto forte aqui é na entrada do terceiro ato até a realização da conclusão da trama. Há uma queda rítmica, por existir uma dilatação temporal e algumas repetições de ações, que parecem uma busca por uma tensão e suspensão. Contudo, o que ocorre é justamente o oposto. Quando tudo já foi entregue, o final é empurrado com a barriga. Estas reiterações também são confusas, deixando o roteiro truncado.

No entanto, quando o encerramento chega, ele é bastante corajoso. Com uma sequência longa, cheias de silêncios – típicos de João -, uma decisão é tomada e ela contém uma potência, justamente por poder evocar uma multiplicidade de opiniões sobre ela. Isto acaba por engrandecer o longa-metragem. O jogo de cena entre Dias e Vinícius Bustani (Salsicha) deixa o momento ainda mais profundo e até tocante. Os olhares criam um diálogo cheio de camadas, que expressam as vontades, certezas e angústias da dupla em poucos minutos.

A escolha para a conclusão da jornada de João, em Filho de Boi,  pode ser vista como acertada ou não, mas é uma maneira intensa e poderosa de terminar as coisas, porque confere o poder para João de mudar o seu destino, sem fugas ou escapatórias externas. A cartela que explica esta escolha, porém, é desnecessária.

Direção: Haroldo Borges e Ernesto Molinero

Elenco: João Pedro Dias, Vinicius Bustani, Luiz Carlos Vasconcelos

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