Quando Para Onde Voam as Feiticeiras começa, já vem repleto de informações! Seja através de imagens ou sons, o ecrã está preenchido de signos e o espectador pode pensar: até onde este longa vai? Quantas histórias ele consegue contar? E é neste turbilhão de elementos, dentro e fora da tela, que o filme se inicia. Incialmente, a câmera na mão aproxima e introduz o público da realidade que se deseja mostrar na tela: as múltiplas existências de corpos dissidentes que ocupam os espaços urbanos e as constantes opressões do sistema vigente. O opressor vem deste grupo formado por brancos heterossexuais cisgêneros, de uma sociedade sempre binária, violenta e silenciadora.
Para tal intento, este grupo de performers LGBTQI+ instala uma espécie de cenário no centro de São Paulo. Nele, as pessoas convocam os transeuntes a integrarem a narrativa. É curioso observar como os quadros conseguem captar os artistas, a equipe técnica e quem passa pela rua. Entre planos mais abertos e fechados, os olhares, gestos e movimentos são capturados e transmitem, muitas vezes, mais do que o próprio diálogo. Mas, o texto que se é dito também é marcante.
Reunindo contexto histórico, engasgos, vivências pregressas, músicas e ritmos, a obra evoca reflexões profundas sobre o Brasil, desde a sua origem até o momento presente. A maneira como as falas das ditas minorias sociais se intercalam trazem complexidade para o enredo, que não apenas aposta em expor toda a luta e sofrimento de povos perseguidos – como indígenas, negros, gays, lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros – como coloca os diversos pontos de vista dentro das militâncias, pondo em voga as interseccionalidades.
Contudo, os ganhos ficam também por conta dos momentos de respiros, nos quais são mostrados os talentos, as culturas, as alegrias e o entrosamento destes indivíduos ali mostrados. A interação dos performances entre si e com os outros é de provocação e reflexão, mas, igualmente, de proximidade e estabelecimento de conexão. O elenco se coloca aberto e em escuta. Há neles e, aparentemente, em toda equipe, uma vontade de ouvir aquelas vozes, espalhadas pela cidade e, agora, reunidas, ali, na criação desta produção cinematográfica.
Há, ainda, um recurso em Para Onde Voam as Feiticeiras que eleva a potência discursiva que é a utilização de imagens de arquivo. Nelas existem filmagens de protestos, ataques, a denúncia das agressões policiais, a violência brutal para com a população negra, o roubo das terras indígenas, ataques homofóbicos e transfóbicos. Estas sequências surgem tanto como quebras de momentos mais leves, como na reafirmação dos discursos de militância. A estratégia, talvez seja um dos maiores ganhos da projeção, pois fomenta o que está sendo dito durante a projeção e impacta, pois são fortes, por vezes gráficas. Contudo, é importante ressaltar que nada exibido é arbitrário, sem razão. Tem ima lógica e uma intenção presente: a de apresentar, no choque, a razão pela qual o documentário existe e porque o que expõe é tão importante.
Por fim, existe mais outra camada, as dos relatos. Com a câmera parada, mas com cortes que trazem diversos enquadramentos, mais ou menos próximos, a vida destes artistas é contada. O equipamento investiga as expressões e sentimentos junto com que assiste. O elemento mais forte destes momentos são os olhos, que deixam transparecer as marcas do passado, contrapondo com as suas falas poéticas ou um tanto mais ensaiadas.
É neste universo plural de técnicas, realidades, gritos e canções que Para Onde Voam as Feiticeiras se faz. Conscientes do espaço que ocupam e da técnica que escolhem, ele desperta, provoca, diverte, emociona. É tão múltiplo de sensações, quanto de olhares. E não se nega a questionar a si mesmo, pondo os enfrentamentos presentes entre eles mesmos.
Direção: Carle Caffé, Eliane Caffé e Beto Amaral
Elenco: Preta Ferreira, Ave Terrena Alves, Gabriel Lodi
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