Em uma das fases de ápice da pandemia do Coronavírus, as diretoras Ana e Helena Petta embarcam em uma trajetória em Quando Falta o Ar, na qual acompanham trabalhadores do SUS (Sistema Único de Saúde), em cinco estados do país. Amazonas, Bahia, Pará, Pernambuco e São Paulo, em cada local visitado pelas câmeras das Petta, o espectador acompanha a angústia de pacientes contaminados, o labor dos funcionários de saúde pública e todo significado político e social presente em toda esta realidade.
O documentário propõe discutir, dentro de toda a situação alarmante e desesperadora da Covid-19, o trato e o cuidado de enfermeiras, médicas e agentes do SUS, que pensam não apenas no estado físico, mas também mental de cada indivíduo que atendem. Assim, o público pode ver imagens impactantes de infectados em seus leitos, de idosos em situação precária de moradia, de presidiários que lutam por sua sobrevivência. Contudo, o grande ganho do longa-metragem é que ele também fala sobre esperança e resistência.
Ao tratar sobre uma temática tão dolorosa e complicada, sobretudo em país comandado por um genocida e em um período que ainda não havia vacinas disponíveis – as filmagens ocorreram entre outubro de 2020 e janeiro de 2021 –, a produção consegue equilibrar seu peso com músicas emblemáticas, fortes e/ou suaves, indo de Emicida até Billie Holiday. O olhar das Petta é embebido de respeito e até possui certa dose de suavidade, principalmente quando seguem os gestos de cuidado das equipes médicas do SUS.
As inserções de entrevistas ou de diálogos entre pacientes e médicos ajudam a conduzir esta observação e são bastante precisas. Isto porque a decupagem e a montagem de Quando Falta o Ar são pensadas para que haja uma imersão em cada uma daquelas realidades e as vozes chegam como uma espécie de despertar para a realidade, vinda dos discursos. Discursos estes que são postos ou não diretamente para a câmera, porém que sacodem o público que é colocado nesta observação profunda das ações de prevenção ou de combate ao Corona.
Existe um tempo de tela estendido para esta observação das jornadas, nas quais a câmera se movimenta de maneira em que há uma dinâmica pulsante que salta durante a projeção. O quadro parado também comunica bastante. É assim, utilizando dos recursos possíveis que a direção de audiovisual oferta, que Ana e Helena jogam o foco para o que desejam. Em alguns momentos, é necessário esperar um tanto para compreender o que a dupla quer, quando um plano reside longamente no ecrã, porém esta é a forma de “jogar luz” e deixar que quem assiste olhe ou escute algo com mais atenção.
Um exemplo é a sequência de atendimento a um presidiário. O rosto dele não é visto, mas há um enquadramento de um celular, que toca uma música. Ao olhar para aquela imagem, a canção amplia seu significado, preenchendo a cena de sentidos maiores e mais palpáveis. Aquela situação de enfermidade e medo de convalescer da doença vêm preenchidos de outros contextos, cheio de situações sociais e políticas pregressas ao vírus, que colocam aquele paciente naquele local, daquele jeito.
Está tudo ali, na fala das enfermeiras e médicas, dos doentes, dos que se livraram da Covid, na arte, na cultura, em cada minuto da exibição de Quando Falta o Ar. No entanto, talvez, as Petta pudessem ter um pouco mais de preocupação com algumas passagens, que têm uma carga demasiadamente violenta aos olhos. Apesar de ser compreensível a sede pelo registro de um fato histórico e das condições tristes que esta praga causou, há de se pensar o quão recente são todos estes fatos. Afinal, ver um corpo estirado, sendo levado ao hospital ou covas sendo cavadas, geram um mal estar profundo.
Este fator não compromete a produção em sua totalidade, porém revela um ponto, que vai saltando aos olhos, lentamente, enquanto se assiste este trabalho. Talvez, por conta de serem acontecimentos novos, com novidades que estouravam o tempo inteiro, tenha havido pouco planejamento na execução do longa. Falta nele algum fio condutor. De fato, o documentário mostra todo o trabalho do SUS diante de uma calamidade. Todavia, veem-se mais recortes soltos de ocorridos semelhantes.
É uma união pela dor e pela luta, porém estes são fatos postos e um desenvolvimento maior dos objetivos da equipe iria gerar um direcionamento mais preciso, como no caso das cenas impactantes.
Direção: Ana e Helena Petta
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