Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina

Festival É Tudo Verdade: Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina

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Em quase duas horas de projeção, o espectador de Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina se vê imerso na história da Companhia Teatro Oficina. Fundado em 1958, o grupo possui uma forte tradição e nome no teatro brasileiro e conta com uma força artística e inventiva de grande intensidade. Estas características da Oficina conseguem ser transmitidas neste documentário, que procura traduzir não apenas a trajetória formal, com detalhes sobre espetáculos, entraves para a manutenção do coletivo, questões políticas e sociais, mas também passar para o espectador toda a complexidade e sensações de quem assiste as produções culturais feitas pela companhia.

Para imprimir estas emoções palpáveis, o filme traz elementos técnicos que se destacam qualitativamente e elevam o potencial narrativo. Talvez, o principal aspecto destacável seja o som do longa. Em sua edição e mixagem, feita por Edson Secco, as tensões e sentimentos em relação ao enredo crescem. Seja em uma batida grave, nas entradas e saídas de depoimentos ou nos ruídos – que sobem ou diminuem, progressivamente, à medida que a projeção acontece -, existem provocações aqui. Há uma consciência de Secco sobre a relevância do que está sendo contado.

A partir disto, Secco brinca com sonoridades, transmitindo, quase com exatidão, o que é estar na plateia das encenações do Teatro Oficina e, aparentemente, até mesmo do que é estar em cena, fazendo parte do coletivo. Desde o início da exibição, e em seu encaminhamento para o final, as tonalidades sonoras desenham os momentos passados por artistas cênicos, seja no labor do processo de criação ou em brigas pela manutenção dos espaços culturais e no anseio para expor pensamentos políticos e sociais.. As entradas e saídas de vozes e/ou ruídos – incluindo a mistura de sons também – denotam uma habilidade de Secco em passar ideias e reflexões, através de seu trabalho editando e mixando.

Algo que casa bem com estes sons que se sobressaem é a montagem. Os cortes apresentam dinâmica. O montador sabe dosar, com todas as imagens de arquivo e relatos, os respiros, as intensidades de velocidade e os instantes que precisam ser de contemplação imagética. Um exemplo é uma passagem na qual o início de uma peça é mostrada e quem assiste consegue contemplar os acontecimentos revelados ali, sem cortes. Outra estratégia que chama atenção é o fato de que não são vistos os rostos das pessoas que contam, no presente, sobre suas relações com o Teatro Oficina. Entre fotografias e filmagens de arquivo, não se sabe, ao certo, quem são os indivíduos que narram suas experiências. Aqui, nesta produção especificamente, a escolha expande o horizonte criativo, o seu próprio potencial estético e a lógica rítmica. A imersão no contexto ganha impulso quando estes registros recebem análises circunstanciais.

No entanto, apesar de toda uma construção elaborada, há uma pequena perda de qualidade do segundo ato até o início do terceiro. É compreensível que se tratando de um grupo com uma estrada tão rica e importante, a probabilidade de que a seleção do que retirar e manter ter sido complexa seja alta. Contudo, as questões voltadas para a briga para a continuidade da existência do Teatro que abrigava o grupo, a sua compra e reforma são demasiadamente esgarçadas. O tempo de tela para esta época da Oficina é extenso e ainda conta com um pequeno desaparecimento da utilização perspicaz do som e montagem. A crueza soa intencional, porém deixa no ar uma quebra com o que havia sido feito anteriormente.

Ainda assim, a narrativa, em sua composição geral, possui uma dinamicidade, um desenvolvimento e uma progressão que faz com que esta breve queda não comprometa o resultado total. Desta maneira, Máquina do Desejo – os 60 anos do Teatro Oficina é uma obra essencial, pois aborda um coletivo fundamental para o teatro do Brasil e o faz com efetividade.

Direção: Lucas Weglinski e Joaquim Castro

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