Entre metáforas e um discurso direto, Homem Onça traz um retrato bastante específico de uma parte da população brasileira. Acompanha-se aqui, as desventuras de um homem branco, de classe média, que possuía um cargo alto, em uma estatal nacional, mas que vê o seu destino ir se modificando com o processo de privatização da instituição. No final da década de 1990, este situação foi bastante recorrente, com casos como o da Cia. Vale do Rio Doce e a Telebrás. Mostrar as consequências desta realidade é um dos objetivos deste longa-metragem.
Para falar sobre o tema, o roteiro – de Vinícius Reis (Noites de Reis), ao lado de Flávia Castro (Deslembro) e Fellipe Barbosa (Sangue Azul) – consegue abarcar todas as dinâmicas de seu protagonista, Pedro (Chico Díaz). Há um equilíbrio dentro da narrativa. O espaço destinado à relação de Pedro com sua família nuclear, com seus colegas de trabalho, o seu melhor amigo, o seu amor do passado e até mesmo o seu afeto por um emprego que fez parte de sua vida por 25 anos são trazidos com profundidade.
São subtemas múltiplos para abordar uma mesma questão: como a personagem principal reage diante das injustiças do mundo capitalista e as saídas que ele procura encontrar para sobreviver mentalmente em todas estas situações. O que chama atenção aqui é o entrelaçamento de cada seara do cotidiano de Pedro, como as histórias são bem amarradas e todos os coadjuvantes, mesmo com pouco tempo de tela, conseguem ser explorados dentro do enredo. Mais do que revelar como as ações individuais de cada um refletem em Pedro, há o caminho inverso e o público consegue experienciar como suas atitudes refletem no mundo que o cerca.
Neste sentido, a interpretação de Díaz fomenta na construção deste papel e no universo ficcional ali criado. Chico tem uma tendência a subir o tom alguns degraus em sua interpretação, ele é um ator intenso. Aqui, ele consegue dimensionar os instantes nos quais as suas explosões de olhares e movimentos são necessários, imprimindo todo o desespero de seu Pedro. Ao mesmo tempo, ele também contém e internaliza algumas emoções, complexificando os sentimentos daquele homem, que se via tão encontrado e agora está perdido. As dinâmicas de contracena também funcionam apropriadamente.
A velha história sobre atuar ser um constante jogo aparece em Homem Onça. Os intérpretes parecem conscientes das funções de suas personagens na trama. Há também uma atenção do diretor Vinícius Reis com a mise-en-scène, e os espaços ocupados pelos atores no ecrã empregam uma camada a mais a obra. Seja pelos planos mais fechados, em locais apertados e sufocantes, quando Pedro ainda está na cidade e todos estão numa proximidade bem intensa ou quando ele vai para o interior e é possível perceber a liberdade nitidamente, com quadros mais abertos e os indivíduos mais distantes ou colocados ao canto da imagem.
Assim, são perceptíveis como as dinâmicas das ambientações alimentam as emoções de Pedro e a potencialidade da gravidade de cada situação proposta no filme. Por fim, há também uma coesão entre os elementos da Arte do longa, que dialogam diretamente com esta percepção de Pedro sobre as figuras e encaminhamentos que estão ao seu redor. Seja na iluminação, nos detalhes do figuro ou nos objetos de cena, é possível notar a intenção de contar mais sobre as personagens, seus passados e presentes, através das cores e de coisas como um violão pendurado ou uma bola de futebol que ficou no jardim.
Desta maneira, pode-se dizer que o resultado geral de Homem Onça é coerente. Em sua mistura em falar do político geral para o interior das relações e como elas são afetadas pelas decisões do Estado, talvez, o único incômodo seja entre o início de seu terceiro ato até seu desfecho. Após reunir toda a sua argumentação, convocar os extremos de Pedro e contar um pouco do que acabou se tornando a vida de seus entes queridos, há uma espécie de perda de decisão de como Pedro deve terminar sua jornada ali. Este fator esta longe de comprometer tudo que fora feito durante a projeção. No entanto, reduz um pouco de sua qualidade.
Direção: Vinícius Reis
Elenco: Chico Diaz, Sílvia Buarque, Bianca Byington
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