A mente humana pode contar com diversas questões complexas, que direcionam o olhar para certas situações, apaga ou modifica momentos etc. Um das tentativas de A Suspeita é trazer um drama policial que trata sobre os enganos e confusões mentais, a partir de uma doença que ainda assusta profundamente o mundo: Alzheimer. No entanto, ainda que seja verbalizado que a protagonista, Lúcia (Glória Pires), sofre desta condição, o filme parece se perder em sua proposta e apresentar isto – e algumas outras coisas mais – de maneira frouxa e confusa.
A começar pelo fato de que Lúcia demonstra, inicialmente, sintomas de transtorno de ansiedade, como tremedeiras e falta de ar. O desenho de som e a decupagem levam o espectador a compreender a situação da personagem desta forma até dado momento da trama. Após Lúcia ir ao médico e escutar seu diagnóstico é que descobrimos qual é o seu quadro de fato. Estes encaminhamentos são pistas para a visão de que aqui há um enredo mal trabalhado. Talvez, durante a escrita os autores, Newton Cannito (Reza a Lenda), Thiago Dottori (VIPs) e Luiz Eduardo Soares (Tropa de Elite), tenham esquecido de revisar estes detalhes ou investigar com mais propriedade as reações causadas por Alzheimer.
O que importa aqui em A Suspeita é observar como os caminhos e elementos do enredo são desconexos. Há uma ambição de muito contar, deixando alguns pontos pouco explorados. A relação de Lúcia com seu chefe, Avelar (Charles Fricks), por exemplo, ganha algum espaço durante a projeção, mas não há uma construção firme que justifique a intensidade do diálogo da dupla no desfecho da obra. Durante a sessão, o tempo de tela e as situações vividas entre eles são bem semelhantes ao que acontece entre Lúcia e Gouveia (Gustavo Machado).
Não é o antigo romance de Lúcia e Avelar que parece ser o foco e sim opressão masculina branca bem como o costumeiro gaslight que estes homens operam para conseguir alcançar o que desejam. Neste aspecto, o longa consegue ser mais feliz, ao imprimir nitidamente como as tensões e privilégios desta parte da sociedade faz com que estes sujeitos saiam, na maioria das vezes, impunes de suas ações inescrupulosas. A atuação de Glória Pires vem como um fomento para este discurso. Ainda que o roteiro de A Suspeita peque em decidir exatamente o que quer falar, no geral, e como irá fazê-lo, Pires conduz sua Lúcia com consciência e tecnicidade apuradas.
Através do controle do tônus corporal, a intérprete transmite as emoções de sua personagem com gestos calculados, deixando orgânicas as tremedeiras, os olhares nervosos e a perda do fluxo de consciência, quando Lúcia sofre as suas perdas de memória. Muitas vezes, o público pode até ligar este papel com o de outra policial ficcional recente. A Lúcia de Glória Pires é quase uma Mare, de Mare of Easttown (HBO, 2021), feita por Kate Wisnlet. A mescla das fragilidades com a dureza provocada pela profissão e a intuição potente são marcas de Lúcia e toda esta complexidade é fruto da interpretação cuidadosa de Pires.
Juntamente com sua atuação, a montagem de Joana Collier (Pacarette) é precisa e chega para aliviar alguns tropeços da direção. O cineasta Pedro Peregrino (Segredos de Justiça) se perde na própria premissa da produção. Com intuito de evocar esta ausência de Lúcia em recordar os fatos, Peregrino utiliza muita imagem desfocada e deixa de fora do ecrã momentos cruciais da narrativa. Esta estratégia poderia ter funcionado, porém o que acaba acontecendo é uma falta de conexão de quem assiste com a história e as lacunas entregam uma sensação de falta de respostas sobre o que ocorre ali dentro, como a razão da doença precoce de Lúcia ou se no confronto dela e Avelar ela estava performando ausência de lucidez ou não ou, até mesmo, na morte de Beto (Daniel Bouzas), quando é quase impossível enxergar as ações que levaram a este fato.
Neste sentido, é que a edição vem para sanar alguns destes incômodos, aumentando a dinâmica das cenas e trazendo um pouco mais de sentido para as ações. Desta maneira, pode-se dizer que A Suspeita apresenta toda uma intencionalidade positiva e até possui algumas partes técnicas bem realizadas. Contudo, o seu resultado, como um todo, é solto e perdido.
Direção: Pedro Peregrino
Elenco: Glória Pires, Charles Fricks, Gustavo Machado
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