Com a proximidade do grande dia, as apostas para as categorias do Oscar 2020 vão se afunilando. A exigente e problemática Academia de Artes e Ciências Cinematográficas teve um dos anos mais controversos em suas indicações. A falta de representatividade feminina e negra nas principais categorias do Academy Awards movimentou a mídia e o público no início do mês passado quando foram anunciados os indicados. Na categoria de Melhor Direção a polêmica foi ainda maior. 2019 foi um ano recheado de direções excepcionais feitas por mulheres e, ainda assim, nenhuma delas foi lembrada na noite do Oscar.
Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres), Céline Sciamma (Retrato de Uma Jovem em Chamas) e Lulu Wang (The Farewell) são os principais nomes femininos deixados de lado nessa disputa. Além delas, outro nome como Noah Baumbach (História de um Casamento) fez falta na lista final de indicados da maior premiação do cinema. Ainda assim, as indicações causaram certas surpresas. Apesar de serem todos homens, dentre os indicados temos uma mistura um tanto inesperada. O quinteto é formado pelos estreantes Todd Phillips e Bong Joon-Ho, pelo conhecido (e diversas vezes nomeado) Quentin Tarantino e pelos únicos que já levaram o prêmio para casa uma vez, Martin Scorsese e Sam Mendes.
Pensando no Oscar como um todo, podemos traçar uma repetição de acontecimentos. Todd Phillips, por exemplo, surge a partir do brilhante Coringa. O longa-metragem esbanja um excesso de indicações, no qual foi nomeado para 11 categorias. O filme demonstra uma sensibilidade e um poder dramático inesperado. É claro que a intervenção de Phillips tem participação nesse resultado, mas sua condução como maestro não foi extraordinária. O diretor soube aproveitar um bom roteiro e um ator principal genial. O mérito de Todd Phillips está na sensibilidade de perceber e privilegiar seu ator. Essas escolhas de ângulo e planos foram executadas de forma excelente. Contudo, seu caminho por produções mais “a cara do Oscar” será longo. A porta foi aberta, falta saber se ele terá outras chances de mostrar seu trabalho.
Ainda nessa linha do que se mostrou como um padrão no 92º Academy Awards, temos as indicações pelo trabalho de uma vida. Muitos dos indicados parecem estar em alguma categoria pela sua carreira do que pela sua indicação do momento. O gênio Martin Scorsese se encaixa nesse padrão. É inquestionável o talento e o legado do diretor nova iorquino para a sétima arte.
Desde o início de sua carreira, Scorsese provoca o público e estende as possibilidades do fazer cinema. Contudo, o tempo passa e é inevitável comparar os trabalhos de sua carreira. Também é impossível não notar que, nos últimos anos, os filmes mais extraordinários feitos por ele são os que fogem do padrão suspense gângster. Dentre seus melhores trabalhos das últimas décadas estão O Lobo de Wall Street (2013), A Invenção de Hugo Cabret (2011) e Os Infiltrados – nos quais todos tiveram indicações nesta categoria, mas só levou a estatueta para casa no último. A questão aqui é: Martin Scorsese, apesar de gênio não fez nada novo. O Irlandês é um filme bem feito e produzido, mas não tem nada de excepcional. Não tem nada que faça o diretor estadunidense estar entre os principais da disputa.
Agora a disputa começa a se acirrar. A aparição de Bong Joon-ho entre os nomeados para Melhor Direção demonstra a potência de seu mais recente longa. Parasita expira genialidade de todas as formas. O diretor sul coreano criou uma das obras mais fortes e contundentes dos últimos anos. Sua discussão sobre sociedade e os limites do ser humano extrapolam a tela. A estética crítica, o preciosismo nos detalhes e a beleza das imagens mais duras sobre o dia a dia o colocam nessa disputa como um dos favoritos. Contudo, a sua maestria se encontra muito mais no roteiro feito por ele e Han Jin-won do que em sua direção. Não que haja algum problema ou falta de originalidade em seu trabalho, mas o seu roteiro ultrapassa qualquer outra parte dessa produção.
Aqui está uma das maiores surpresas do ano. Era uma Vez em… Hollywood mostra que até os mais consagrados diretores, cujas marcas criativas são bem definidas, podem ir além. Quentin Tarantino ousou e deu vida a um de seus trabalhos mais primorosos. O longa carrega uma sensibilidade jamais antes vista. A condução da narrativa é magistral e encantadora. Mesmo vindo de um roteiro que fala por si só, o trabalho de Tarantino ultrapassa as palavras digitadas em sua própria criação e alcançam um outro patamar. Seu filme mais indicado, que traça um caminho próprio em sua carreira e é uma produção que fala de memória afetiva. Sem dúvidas um dos trabalhos mais sublimes, sensíveis e corajosos do diretor.
Seria esse o momento que finalmente Tarantino levaria a estatueta de Melhor Direção para casa? Seria o caso se Sam Mendes não estivesse no páreo. O diretor inglês tem uma história com o Academy Awards. Em sua estreia nos cinemas, Mendes trouxe para a sétima arte uma das obras mais belas sobre o vazio dos costumes. Numa forte crítica ao “american way of life”, o diretor estreou com um longa-metragem que marcou a história do cinema. Beleza Americana foi um sucesso de crítica, público e de prêmios. Além de levar o troféu de “Melhor Filme” para casa, o longa ainda concedeu ao realizador britânico a estatueta de “Melhor diretor” em seu primeiro trabalho para o cinema.
20 anos após esses eventos, Sam Mendes volta para a disputa do Oscar com outro trabalho colossal. Enquanto Joon-ho e Tarantino tem roteiros magistrais, Sam Mendes tem um roteiro muito simples. Toda a potência de 1917 está em sua parte técnica. Um dos trabalhos mais completos do ano, tecnicamente falando. O longa traz uma profusão de sensações graças ao trabalho de direção. Sem a condução brilhante de Mendes esse filme não se comportaria da mesma forma. Fica claro que foi uma escolha da produção focar na técnica e estética do que na história. E é nessa escolha que reside o poder e a genialidade do trabalho feito pelo diretor. 1917 é um dos longas mais imersivos da história do cinema. O uso da câmera como um personagem somado aos planos-sequência belíssimos criam uma das direções mais sensações da década.
Apesar dos fortes indícios da vitória, a corrida pela estatueta de ouro para Melhor Direção é sempre incerta. Talvez Mendes saia vitorioso de lá como aconteceu nas principais premiações da temporada. Talvez algo inesperado aconteça. Basta esperar e ver quais surpresas a noite de 9 de fevereiro guarda. Agora resta aguardar para ver se o diretor inglês sairá invicto de suas indicações por direção ou se outro colega de profissão roubará a cena. Para saber dessas e mais apostas para o Oscar, fique ligado no Coisa de Cinéfilo!