A tradição dos filmes épicos teve seu início com a obra italiana Cabiria, de 1914. Desde sua estreia, o cinema épico viveu por muito tempo dos louros de produções monumentais desse subgênero como O Nascimento de Uma Nação (1915) – dirigido pelo controverso D. W. Griffith – e a obra francesa sobre um dos maiores conquistadores da história, Napoleão (1927). Apesar da decaída nas produções, a febre dos épicos ainda persistiu até meados do século XX, com trabalhos como o premiado Spartacus (1960), de Stanley Kubrick. Contudo, o último ano antes do novo milênio foi contemplado com o filme Gladiador, que se tornaria um ponto de recomeço para que esse segmento cinematográfico se reinventasse.
A história ambientada na Roma Antiga tem como herói o general Maximus (Russell Crowe, Dois Caras Legais) e para contrapô-lo, a figura do corrupto e incestuoso Commodus (Joaquin Phoenix, Coringa). O conflito entre essas personagens é estabelecido a partir da morte do Imperador Marcus Aurelius (Richard Harris, Harry Potter e a Pedra Filosofal), pai de Commodus.
Em segredo, o então falecido Imperador deixou para Maximus, como última missão, restabelecer o poder político total do Senado romano. Assim, a prosperidade voltaria a reinar no grande Império. Commodus, ao perceber que o general lhe seria uma ameaça, manda que seus guardas matem-no por trair os desejos do novo Imperador. Após fugir de sua sentença mortal, Maximus transfigura-se no famoso e implacável gladiador de Proximus (Oliver Reed, O Povo Contra Larry Flynt). Sua notoriedade leva-o até o despótico Commodus e o reencontro dos dois promete revelações, tramas políticas e a ira de um tirano que luta para manter-se no poder.
Realizando o seu segundo épico da carreira, o diretor Ridley Scott (Alien: Covenant) emplaca um filme de sucesso. Com direito a uma bilheteria invejável e críticas bem positivas, o longa-metragem ainda teve 119 indicações – das quais foi vitorioso em 48 prêmios. Os pontos mais fortes na produção estão no conjunto técnico e artístico que rodeou Scott. Os roteiristas David Franzoni (Amistad, 1997), John Logan (O Aviador, 2004) e William Nicholson (Os Miseráveis, 2012), por exemplo, foram indicados ao Oscar de “Melhor Roteiro Original”.
Gladiator (título original) é estruturado por uma narrativa que mescla figuras reais com uma criação totalmente livre em cima de um período histórico. Apesar de algumas questões dessa liberdade em cima da realidade, a profusão de acontecimentos marcantes e embates poderosos levanta o roteiro, o concedendo diversas indicações.
Como todo bom épico, Gladiador traz a velha oposição entre o povo e o poder tirânico. Dessa forma, o filme carrega uma crítica social que retrata situações atemporais como abuso de poder, corrupção e a famosa “política do pão e circo”. Além da originalidade existente no roteiro, a presença marcante do imponente Russell Crowe faz da simples personagem uma merecedora do Academy Awards de “Melhor Ator”. Somando a qualidade do protagonista, Joaquin Phoenix apresenta uma criatura digna de repulsa que conquista os piores sentimentos do espectador. O que acabou lhe proporcionando três indicações como “Melhor Ator Coadjuvante” no Oscar, Globo de Ouro e BAFTA.
O vencedor do Academy Awards, todavia, incomoda o público em alguns aspectos. As principais críticas são a quebra com a realidade histórica e a falta de liga sentimental no épico. Esperava-se que o filme apelasse para as emoções do espectador uma vez que o longa estabelece uma identificação com revoluções contra um dominador despótico. Entretanto, a linha fílmica de Ridley Scott não comporta sentimentalismos. Os filmes de Scott expressam um alto teor de razão tornando o fator emotivo algo mais do que secundário, o que se repete em Gladiador. A tentativa exagerada de tocar o público é atribuída ao excesso de artifícios sonoros – ato falho, mesmo com trilha sonora composta pelo excelente Hans Zimmer (O Rei Leão, 1995).
O triunfo de Gladiator está em sua tática interna de compensação. A infertilidade emocional característica de Scott é esquecida graças à montagem fílmica de alta qualidade feita pelo premiado Pedro Scalia (JFK: A Pergunta Que Não Quer Calar, de 1991). O descontentamento relacionado à infidelidade com os fatos reais é vencido pela fascinação do público com histórias de heróis. Tudo isso guiado pelas belas batalhas coreografadas por Nicholas Powell (Coração Valente, de 1995). Além desses, outros setores da produção são notáveis e foram indicados em inúmeras premiações – como a direção de arte, composição musical, montagem, efeitos especiais etc.
O conjunto cinematográfico do longa levou diversas pessoas a se encantarem com a fotografia, edição, roteiro e atuações magistrais que compõem a beleza do filme. Ademais, Ridley Scott merece louros por ter reapresentado ao público – já que esse não via nada com tamanha qualidade há décadas – um épico que honra os seus antecessores e o próprio subgênero.
Você pode conferir esse premiado marco do cinema no catálogo da Netflix.
Direção: Ridley Scott
Elenco: Russell Crowe, Joaquin Phoenix, Connie Nielsen, Oliver Reed, Richard Harris, Derek Jacobi, David Hemmings, Djimon Hounsou