Assim como no título, em seu original (Doubles Vies) e na sua tradução, a dualidade é constantemente trabalhada em Vidas Duplas. Escrito e dirigido por Olivier Assayas (Acima das Nuvens), existem duas dimensões de discussão na obra, por assim dizer. De um lado, o público acompanha os debates sobre as inovações tecnológicas, consumo e a literatura. Do outro, vê-se as peripécias amorosas da vida das personagens. Nestes contextos, mais desdobramentos aparecem, sendo na primeira temática os que são a favor das mudanças e os mais conservadores. Na segunda, nota-se que todos possuem relacionamentos oficiais e extraconjugais. Apesar de possuir bastante elementos positivos, ele é qualitativamente dividido também.
Mas, começando pelo o que há de melhor nele, é perceptível como cada elemento vai aparecendo como camadas pintadas na tela. Há toda uma progressão trabalhada por Assayas, que vai inserido lentamente os casos de cada um, os conflitos e as suas formas de pensar. Há uma organicidade e uma fluidez em como a história é apresentada, se desenvolve e é encerrada. A costura do texto faz com que todas as situações puxem uma as outras, até um ápice dos conflitos daquelas vidas que estão sendo mostradas e, por fim, que vão sendo cuidadosamente finalizadas. Não há pressa. As soluções vão sendo apresentadas, como uma justificativa plausível, que se encaixa com o perfil de cada indivíduo retratado.
Este também é um elemento a se enaltecer na produção! A maneira como as personagens são ricas em sua construção. É possível enxergar os detalhes de suas personalidades, estabelecidos em pouco tempo, mas com profundidade. Parte desta qualidade também pode ser atribuída aos atores, principalmente em Juliette Binoche (Selena) e Vicent Macaigne (Léonard). Ambos imprimem características fortes e conseguem as performar com equilíbrio, revelando vulnerabilidades, comicidades e emoções, seja através de um sorriso, uma pausa, um olhar ou quando tocam em alguém. Estes traços não vão por caminhos óbvios. Assim, é possível que, no momento da gargalhada, o espectador consiga ver as sensações de incertezas mais fortemente, por exemplo.
As sensações vivenciadas na trama também são passadas através dos movimentos de câmera. Em alguns planos longos, com travellings ou câmera na mão, a euforia dos encontros é demonstrada. Ao mesmo tempo, o quadro volta a ficar fixo quando uma pessoa respira, senta e começa a contar algo, aumentando não apenas a empatia, como inserindo quem assiste naqueles diálogos, de alguma maneira. Os zoom in e out também são usados neste sentido e acabam direcionando o olhar ou afastando-o daquele ponto de vista. O jogo de superioridade e inferioridade, petulância e humildade, ganho ou perda de argumento se dá justamente através destas estratégias de enquadramento.
No entanto, existe um incômodo forte durante a projeção. Há um discurso que permeia o longa inteiro que é o da passagem dos livros do papel para a ambiência digital. Carecendo de uma compreensão mais profunda do assunto, existe uma visão, transformada em diversas conversas, sobre o fim da materialidade das coisas, por conta da tecnologia. Contudo, já se é sabido, faz um tempo, que tudo que está ligado ao digital também possui elementos do material.
Assim, basta uma olhada no tema para descobrir que não faltam estudos sobre as agências dos objetos e as materialidades da comunicação. Logo, pensando que os indivíduos mostrados neste enredo são da área, fica difícil acreditar que eles falariam assim de verdade, se são tratados como experts no assunto dentro deste universo ficcional ali mostrado. Então, por exemplo, em um dado momento se fala em diminuir os danos ao meio ambiente, mas o uso da internet polui o planeta, por conta da emissão de carbono.
No geral, Vidas Duplas possui este fator de seguir por dois caminhos, com uma metade rica em detalhes, cuidadosa e bem elaborada. Esta é justamente a que fala sobre relações humanas. Porém, a outra parte falha por possuir um tom arrogante de conhecimento sobre progressos e retrocessos da humanidade, mas sem investigar profundamente do que fala, deixando o debate tolo e enfraquecido.
Direção: Olivier Assayas
Elenco: Juliette Binoche, Gillaume Canet, Vicent Macaigne, Nora Hamzawi, Christa Thérest, Pascal Greggory, Lionel Dray, Sigrid Bouaziz
Assista ao trailer!