O mercado cinematográfico tem um excedente de longas-metragens de comédia desde o final da década de 1990. Tendo tido por anos dois subgêneros básicos – comédia romântica e a comédia escrachada – o gênero acabou caindo num buraco sem fim de repetições de trabalhos que já haviam perdido a graça há muito tempo. E, por conta disso, os estúdios perceberam que era de extrema importância um processo de renovação dentro de suas produções para manter o interesse do público. Tal mudança culminou no que hoje é conhecido como “blending” (mistura) de gêneros, permitindo que as comédias evoluíssem para algo muito mais elaborado do que o quadragésimo American Pie (1999 – 2012) ou mais tentativa malfeita de copiar o sucesso de 10 Coisas que Eu Odeio em Você (1999).
Com essa nova era, o espectador tem a chance de assistir algo novo (ou, no mínimo, inusitado), fazendo com que as esperanças e expectativas para com o gênero aumentem. Esse “blending” do cômico/satírico com alguma outra vertente cinematográfica tem se fortalecido ainda mais nos últimos anos. Terror nos Bastidores (2015), A Noite do Jogo (2018) e Te Peguei (2018) são alguns dos mais recentes e brilhantes exemplos dessa mistura que transformou a comédia em algo maior. O primeiro filme mescla o terror adolescente slasher com uma hilariante sátira do próprio universo do horror e todas as suas falhas e repetições; o segundo vai trabalhar com um suspense muito elaborado cuja veia cômica é o seu guia, dando ao público momentos de adrenalina e graça; e, por fim, o terceiro longa faz uma narrativa inspirada em fatos reais para recriar o que havia de bom na comédia purista, onde a graça era feita com o único objetivo de fazer o espectador gargalhar.
Após essas interessantes produções, eis que a Lionsgate lança mundialmente o inteligentíssimo Um Pequeno Favor. Tendo a sua estreia nos cinemas brasileiros nessa quinta-feira (27), a nova produção – baseada no livro de mesmo nome da autora Darcey Bell – é um belo e leve suspense. A narrativa dirigida por Paul Feig (Missão Madrinha de Casamento, de 2011, e As Bem Armadas, de 2013) traz esse mistério perfeitamente encabeçado por Anna Kendrick e Blake Lively que permeia pela tensão e comédia de maneira única. A verdadeira versão hilária de Garota Exemplar (2014).
Por conta do seu filho, a jovem mãe Stephanie (Anna Kendrick) conhece, ocasionalmente, a misteriosa Emily (Blake Lively). Ao se aproximarem e criarem uma rápida amizade, Stephanie vai percebendo que há algo de estranho na vida tão reservada de sua nova melhor amiga. Quando Emily desaparece, a sua amiga decide ir atrás de respostas. Ao embarcar numa jornada para desvendar a verdade por trás desse repentino sumiço, Stephanie descobrirá que há muito que ninguém imagina sobre sua amiga Emily.
Como em alguns de seus filmes anteriores, o diretor Paul Feig conseguiu mesclar os gêneros sem perda alguma da essência de ambos – tendo nesse trabalho a mistura de suspense com comédia. A fluidez da narrativa é encantadora e o espectador fica na ponta da poltrona (rindo ou roendo as unhas) aguardando para ver o que acontecerá em seguida nessa série de eventos inesperados. De alguma maneira, a origem de Feig fez com que esse ar leve fosse incorporado tão facilmente em cada uma das cenas.
Para compor essa atmosfera nova, a roteirista Jessica Sharzer (Nerve, de 2016) teve a difícil missão de estabelecer um paralelo entre esses universos do cinema que parecem essencialmente tão distantes. Baseando-se na obra de Bell, Sharzer constrói uma inteligente e fascinante narrativa que prende o público desde o primeiro minuto. O longa é uma sucessão de acontecimentos bem escritos e dirigidos que forjam um trabalho digno de elogios o qual marcará ainda mais essa nova onda de filmes “blending”.
Além de uma parte técnica absurdamente interessante, o elenco foi escolhido a dedo. As atrizes Anna Kendrick e Blake Lively comandam o espetáculo visual e artístico com uma maestria indiscutível. A jovem Kendrick já se provou, além de uma ótima comediante, uma profissional muito versátil, capaz de enfrentar qualquer papel que lhe é dado. Já Lively está num crescente em suas personagens, fazendo o mundo prestar cada vez mais atenção em sua carreira. Juntas elas criam um show irônico, hilário e mortal o qual é certeiro em seu objetivo como obra cinematográfica.
Um Pequeno Favor é uma produção diferenciada que reforça a capacidade de evolução do cinema e mostra que os limites de gêneros são algo quase inexistentes nessa nova era da sétima arte. Com o sucesso já estabelecido desde a sua estreia nos Estados Unidos, o longa se tornará uma referência ainda maior quando se pensar nesse tipo de mistura. A qualidade dessa produção eleva o patamar das facetas que uma película pode assumir no fazer filmes moderno.
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