Tick, Tick... Boom!

Crítica: Tick, Tick… Boom! (Netflix)

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O dramaturgo e compositor Jonathan Larson ficou conhecido por revolucionar os musicais da Broadway com Rent, espetáculo que, na contramão de tendências do gênero, abordava temas graves com um grupo de amigos da Nova York dos anos 80: o desemprego, o consumo de drogas e, sobretudo, o crescimento da AIDS. Larson conseguiu seu sucesso aos trinta e poucos anos, batalhou muito por isso e teve diversas crises pessoais e profissionais, mas não conseguiu “saborear” esse momento pois faleceu pouco tempo de um tipo raro de aneurisma.

A história de Larson é contada em Tick, Tick… Boom!, musical autobiográfico de autoria do próprio compositor. Nele, Larson conta o período em que criava um musical chamado Superbia para um workshop em Nova York e chamou a atenção de figurões da área, como o recém-falecido Stephen Sondheim (de West Side Story Sweeney Todd). Esta produção off-Broadway de Larson narra os anseios de jovens adultos que vivem as ansiedades e cobranças de não cumprirem a utopia da ascensão profissional antes dos 30 anos. Larson começa a ser tentado pela ideia de abandonar os seus sonhos para encontrar alguma atividade que lhe dê retorno financeiro mais imediato. Ao mesmo tempo, o compositor vê diversos dos seus amigos morrerem por complicações decorrentes da AIDS.

Tick, Tick… Boom! é o primeiro filme dirigido por Lin-Manuel Miranda, que a esta altura já deixou de ser uma figura conhecida apenas no seu nicho, já que tem assinado os créditos como compositor de uma série de recentes produções do gênero no cinema, de Em um Bairro de Nova York, passando ainda pelas animações Encanto, Moana e Vivo: Um Amigo Show. O mais célebre trabalho de Miranda é, sem dúvida, Hamilton, cuja versão filmada em 2020 para o Disney + foi um sucesso e que assim como Rent de Larson também é tido por muitos especialistas como um musical revolucionário pelo teor das suas composições.

A adaptação de Tick, Tick… Boom! tem como mérito captar o dilema de jovens profissionais das artes. São personagens que exercem algo que contraria o imaginário sobre o sucesso profissional meteórico. Ao longo do musical temos exemplos de jovens adultos que desistem dos seus sonhos, como é o caso do melhor amigo do protagonista, outros que os adaptam, o exemplo da namorada de Larson, e nosso personagem central que persiste na sua vocação, mas vê suas convicções pontualmente fragilizadas diante dos “nãos” recebidos e por testemunhar todos ao seu redor encontrando meios e alternativas de sobreviver diferente das suas, algumas bem mais exitosas, por sinal. Às vésperas de completar 30 anos e não estar no lugar que se esperava estar nesse momento da sua vida, Larson é consumido pela sensação de correr contra um tempo que o atropela.

Tick, Tick... Boom!

Tick, Tick… Boom! é o tipo de experiência que talvez somente profissionais de áreas não tão prestigiadas socialmente conseguem dimensionar, mas que tem lá a sua universalidade. Tick Tick… Boom! fala da forma violenta como somos absorvidos por essas narrativas ilusórias de sucesso meteórico e como nossa visão romantizada sobre nossas respectivas trajetórias podem ser frustradas pela realidade em si. Ao mesmo tempo, é um material que celebra a resposta a uma vocação e como isso enche de sentido nossa própria existência e jornada.

Apesar der ser muito tocante na condução da sua temática, Tick, Tick… Boom! exibe um Lin-Manuel Miranda inseguro sobre as possibilidades narrativas do seu musical. A ideia de transformar os números em apresentações off-Broadway do próprio Larson, vivido lindamente por Andrew Garfield, é um dos pontos altos das decisões de Miranda e que nos remete a própria gênese de Tick Tick… Boom!(originalmente, ele foi montado desta forma). Ao mesmo tempo, o longa é tomado por números que extrapolam esse recurso e tomam o cotidiano dos personagens ou ainda por insights criativos supérfluos, como o clipe da MTV que surge em dado momento.

Há também um fator que faz o filme ter muitos altos e baixos, as canções de Tick, Tick… Boom! são mais inspiradoras do que o longa como encenação em si. Quando deixa de lado as apresentações de Larson para sua plateia, o musical fica um pouco desinteressante e até mesmo tem dificuldade para amarrar os eventos da biografia do compositor, funcionando melhor como divagações cantadas sobre a vida do protagonista do que como um encadeamento de eventos bem correlacionados. Há relações e personagens que atravessam a vida de Jonathan Larson que ou tornam-se dispensáveis dadas as proporções que ganham, como o romance com Susan, personagem de Alexandra Shipp, ou que mereciam mais espaço de tela, como é o caso do melhor amigo de Larson, Michael, interpretado pelo ótimo Robin de Jesus.

Tick Tick… Boom! é um longa que deixa o espectador em conflito o tempo todo. Ao mesmo tempo que apresenta de forma tocante o dilema central do seu personagem principal e o faz com composições belíssimas, é um filme que pelas características do próprio musical (uma série de divagações de Jonathan Larson sobre a vida) tem dificuldade para se mostrar interessante como narrativa. Há ótimos momentos e outros que carecem de uma melhor evolução na história tendo em vista que aqui os acontecimentos extrapolam a lógica da apresentação intimista no palco.

Direção: Lin-Manuel Miranda

Elenco: Andrew Garfield, Vanessa Hudgens, Bradley Whitford, Alexandra Shipp, Judith Light, Joshua Henry, Noah Robbins

Assista ao trailer!