Tia Virgínia

Crítica: Tia Virgínia

3.5

Virginia é uma figura bem comum em muitas famílias brasileiras. A personagem de Vera Holtz em Tia Virgínia é uma mulher na faixa dos setenta anos que dedicou parte da sua vida para cuidar da casa onde cresceu com suas irmãs e dos pais já enfermos. Ela optou por não ter filhos e atua como uma espécie de para-raios para suas irmãs Valquíria e Vanda e seus sobrinhos. Mesmo assumindo esse lugar central na família, Virginia acaba sendo invisibilizada pelos demais, tratada como uma cidadã de segunda classe, com uma biografia inferior aos outros e até digna de uma pena que todos só demonstram na teoria.

O filme de Fábio Meira (o mesmo realizador de As Duas Irenes) explora os meandros dessas complicadas relações familiares, refletindo sobre a velhice e os espaços que merecemos ocupar quando chegamos nesse estágio das nossas vidas. Oscilando entre o melodrama e um humor non sense completamente corrosivo, o longa do diretor faz uma análise ácida sobre a família disfuncional de Virginia para além das aparências que todos levianamente – e sem o menor efeito prático – insistem manter, inclusive a própria protagonista.

Toda a ação de Tia Virgínia é ambientada na véspera do Natal, dia no qual todos estão envolvidos nos preparativos da ceia. Entre as memórias afetuosas da infância, as irmãs de Virginia se deixam levar por ressentimentos e os sobrinhos, aparentemente inofensivos, mostram-se figuras sonsas e aproveitadoras. Os “podres” dos familiares de Virginia emergem ainda que eles tentem com todos os recursos possíveis manter as aparências.

Tia Virgínia

O longa adota um tom que por vezes incomoda e pode demonstrar um certo conflito da história a respeito dos humores que deseja imprimir na narrativa: oras Tia Virgínia mostra-se realista, e em outros momentos revela-se extremamente autoconsciente dos artifícios da ficção. Isso pode causar um certo estranhamento no espectador e revelar um filme menos acolhedor ou reconfortante que a primeira vista possa parecer. Tia Virginia está mais para um “soco no estômago” do que para um filme disposto a suavizar o desfecho do seu conflito principal com algum enlace reconfortante, ainda que o destino da protagonista seja extremamente libertador.

Há ótimos desempenhos ao longo da história. Vera Holtz é um destaque absoluto por transitar tão bem entre os humores da personagem, uma mulher que se encontra no liame entre a sanidade e a loucura, mas ainda consegue esboçar uma natureza acolhedora em alguns dos seus atos e interações. Também merecem destaque Arlete Salles e Louise Cardoso como as irmãs da protagonista, cada uma a sua maneira ambas sabem lidar muito bem com a hipocrisia dessas personagens, sobretudo na interação que estabelecem com Virginia.

Tia Virgínia não tem a preocupação de ser uma crítica social, tampouco revela-se um drama familiar frívolo, pelo contrário. O filme de Meira é muito consistente na radiografia que faz sobre a passagem do tempo e sobre a importância de reivindicar limites. Existe uma certa estranheza e um desconforto do espectador com a forma como o longa “conversa” com gêneros e atmosferas. Tia Virginia oras se apresenta como uma comédia carismática oras como um drama que de alguma forma edifica suas personagens, mas vale a pena conviver até o fim com esse tom dúbio sugerido pela obra. Tudo aqui parece desordenado, dissonante… No fundo, o filme escancara a suplica da protagonista por algum tipo de fuga, dimensionando o próprio sufocamento e incomodo de Virginia com aquelas relações falsas e cheias de exploração.

Direção: Fabio Meira

Elenco: Vera Holtz, Arlete Salles, Louise Cardoso, Antonio Pitanga, Vera Valdez, Daniela Fontan, Amanda Lyra

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