Ari Aster (Hereditário) pertence a uma jovem geração de cineastas que têm feito bastante “barulho” entre cinéfilos e críticos, e com um relativo êxito também com o grande público. Integram o grupo, revelações dos últimos anos, alguns premiados, como Jordan Peele (Nós e Corra!) e Robert Eggers (A Bruxa e do ainda inédito no Brasil The Lighthouse). Cada qual com suas características, propostas e fandons, eles têm oferecido um certo frescor na cinematografia de um país cada vez mais receptiva ao gênero horror que se amplia para outras partes do mundo, trabalhando com roteiros que exibem inteligência, pertinência social, senso estético apurado e uma potência na oferta de um debate intelectualmente rico e plural sobre suas histórias.
Depois de Hereditário, Aster chega aos cinemas, um ano depois, para ser mais preciso, com o filme que o confirma como um cineasta que faz justiça às promessas lançadas, Midsommar – O Mal Não Espera a Noite, um longa que trata de diversos temas, mas, sobretudo, sobre os efeitos de viver em sociedade e as “estações” de um relacionamento. O recente trabalho de Aster é interessante do ponto de vista plástico, ofertando em cada frame disposições de cores e elementos que enriquecem a espectatorialidade, mas também como narrativa alegórica que sugere ser desde o seu princípio com seus temas transversais.
O longa tem início com o casal Christian e Dani (Jack Reynor, de Transformers: A Era da Extinção, e Florence Pugh, de Lady Macbeth, formidáveis) exibindo um relacionamento cheio de indícios de disfunção. Fragilizada pelos problemas com sua família, Dani é convencida pelo namorado a viajar para a Suécia a fim de participar de um festival que celebra o solstício e que é organizado por uma comunidade da qual um amigo do casal faz parte. Ao longo da estadia com o grupo, os dois acabam seguindo caminhos bastante distintos que revelam aos poucos para o espectador os ritos, crenças e as ações daquela comunidade.
O espectador que espera de Midsommar – O Mal Não Espera a Noite um espetáculo de carnificina, criaturas macabras e jump scares por segundo deve se decepcionar. Como já sugeria em Hereditário, Aster, como outros tantos cineastas, busca o horror em locais pontuais da sua trama gradualmente construídos com muita tensão a partir da proposição de temas sociais. Há em Midsommar uma espécie de olhar antropológico para a trama sugerindo, a partir do destino dos seus dois protagonistas, um horror que palpável na vivência contemporânea em sociedade.
De um lado, o individualismo, a falta de empatia, o narcisismo e a ambição extrema de Christian. Do outro, o refúgio na unidade coletiva de Dani. E engana-se quem acredita que o cineasta trata apenas de abuso, sexismo ou de um mal representado unicamente pela religião, sua crítica me parece não ter localização distinta, abrangendo toda forma de agrupamento social e de relações marcadas pela falta de empatia.
A partir disso, Aster também constrói um longa que aborda os ciclos de um relacionamento (sem generalizações) que se fundem com as estações do ano exibidas na tela através de toda a sua extensa possibilidades de signo. O filme tem início na busca de refúgio no outro e termina com o rompimento catártico vindo de uma necessidade de “eliminar” a memória do parceiro. Nesse sentido, as atuações de Pugh e Reynor são bem interessantes por não buscarem individualmente um destaque. Ambos são ótimos quando estabelecem as características de Christian e Dani na estranha dinâmica do casal.
De um lado, a Dani de Pugh exibe uma justificável fragilidade emocional decorrente do luto, mas também uma dependência afetiva que torna os demais ao seu redor reféns que não conseguem contrariá-la. Do outro, o Christian de Reynor é um sujeito frio que tenta desastrosamente estabelecer laços de afeto para manter uma aparência social, com isso desenvolve uma estranha e desarticulada intimidade com sua namorada e também com seus amigos quando na verdade pouco se interessa por eles. São personagens difíceis de criar empatia – ele mais do que ela, claro – e é justamente nessa contrariedade a uma premissa básica dos manuais de roteiro que Aster constrói o êxito da sua alegoria.
Midsommar é uma macabra observação social a partir de uma estética particular que propositalmente enche a tela de cores claras, suaves e também vibrantes, normalmente associadas a sentimentos e sensações positivas, em contraste com seu início calculadamente soturno. Mesmo com essa discrepância na paleta de tonalidades, o filme segue numa crescente de tensão sugerida sobretudo por efeitos de som e música que faz o público impacientemente aguardar pelo pior destino possível para seus personagens, algo que certamente acontece mesmo que a memória espectatorial do conteúdo imagético sugira o oposto. Esse contraste serve para deixar o filme ainda mais esquisito e incomodo como narrativa.
Soturno com sua distribuição efusiva de cores e símbolos, Midsommar – O Mal Não Espera a Noite é um filme que impacta e provoca discussões. Ainda que soe afetada, a ambição de Aster não me parece um demérito, mas uma qualidade, sobretudo em uma época que o cinema americano das telonas, sobretudo o industrial, está cada vez mais afeito a repetições e perdendo seus talentos para a TV e plataformas de streaming . É um cinema de personalidade, provocador e ensurdecedor como espectatorialidade, gerando debates, discussões, interpretações e valorações díspares e possíveis. Goste ou não, é o tipo de filme que não deixa o espectador indiferente.
Direção: Ari Aster
Elenco: Florence Pugh, Jack Reynor, Vilhelm Blomgren, William Jackson Harper, Will Poulter, Ellora Torchia, Archie Mardekwe, Henrik Norlen, Gunnel Fred, Isabelle Grill
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