Na última quinta-feira (18), o mundo finalmente pôde assistir à visão do diretor Zack Snyder (Aquaman) sobre a famosa Liga da Justiça. O projeto, que inicialmente esteve sob o comando do diretor americano, foi passado para Joss Whedon (Os Vingadores, de 2012) por desentendimentos entre o chefe da Warner e Snyder e questões pessoais do diretor. Mais uma vez, problemas internos de produção afetaram outra obra cinematográfica do estúdio. E é em meio a este embate que Liga da Justiça – Snyder Cut (2021) emerge e traz um novo olhar para o Universo Estendido DC (DCEU).
Após a perda do guardião da Terra, Batman (Ben Affleck, Garota Exemplar) precisará, ao lado da Mulher Maravilha (Gal Gadot, Mulher-Maravilha), reunir os maiores super-heróis do planeta para deter um desastre iminente. Além da jornada para juntar esta liga de heróis composta pelo Aquaman (Jason Momoa, Game of Thrones), Flash (Ezra Miller, Animais Fantásticos e Onde Habitam) e Ciborgue (Ray Fisher, True Detective), eles precisarão se preparar para deter Darkseid, o conquistador de mundos, e seu exército de parademônios comandados por Lobo da Estepe.
A estreia do filme é uma vitória para os fãs da DC que são os responsáveis por cobrar o lançamento do longa-metragem. Após uma extensa campanha online para liberação do que viria a ser o Snyder Cut – como é conhecida a produção por ser o corte do diretor – a Warner se rendeu ao desejo do público e criou os caminhos para fazer deste filme uma realidade.
O primeiro ponto positivo do Snyder Cut é seu poder de comprovação de qualidade. As produções da DCEU vaguearam, durante um bom tempo, entre ótimos filmes e outros bem problemáticos – a exemplo de Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016) e Esquadrão Suicida (2016). Desta vez, o clamor dos espectadores trouxe o filme para as telas. Sem amarras, da forma que foi pensado (e ainda mais). Com isso, a estreia do HBO Max comprovou novamente que a DC é capaz de realizar produções de qualidade dentro de um arco maior e interativo de filmes.
Ou seja, a construção narrativa da nova Liga da Justiça traz o universo de volta aos trilhos. No entanto, é importante pensar que esta alusão ao trem descarrilhado existe a partir de uma perspectiva mercadológica e competitiva – uma vez que Mulher-Maravilha (2017), Aquaman (2018) e Shazam! (2019) foram filmes que funcionaram, tem qualidade e são bem amarrados.
A necessidade de mega bilheterias e a inevitável comparação entre a DC e Marvel e seus universos estendidos são os fatores que regem essa competitividade alucinante. E ela é uma das principais razões que causaram diversos tropeços do DCEU ao longo de sua existência – seja por falta de planejamento do estúdio ou por uma comparação infundada por parte do público.
Nesta nova versão, existe a profundidade necessária para guiar as motivações das personagens, elas são bem trabalhadas e mostram quem são de verdade. Da mesma forma são os vilões do filme, os quais, desta vez, se sustentam e se mostram capazes de carregar o peso de suas ações e do papel que representam para o Universo Estendido. Esses são os principais elementos narrativos que conseguem, de longe, fazer deste longa-metragem uma produção melhor para inaugurar a jornada da Liga da Justiça nos cinemas.
É inegável dar os louros ao Snyder pelo seu olhar macro da história – coisa que ele não conseguiu imprimir em Batman vs Superman. E, quando analisado, é interessante pensar que o projeto inicial se propôs a abrir essa nova página da história com um dos maiores vilões do universo. Além de arriscada, foi uma escolha corajosa introduzir Darkseid de logo cara. Só que isso é feito de forma tão sutil e cuidadosa, que não criou conflitos narrativos; apenas possibilitou diversos caminhos para o DCEU seguir.
No entanto, isto só foi possível porque o Liga da Justiça – Snyder Cut tem 4h de duração. E aqui mora o primeiro problema – quando pensamos na obra dentro do formato de narrativa cinematográfica. Mesmo com a divisão da história em capítulos – o que permite uma flexibilidade maior na hora de assistir ao filme – é exaustivo para quem decide encará-lo como um longa-metragem. São 4h que valem a pena pelo resultado, mas existem excessos que são evidentes. Ainda que seja interessante o longa tirar o tempo necessário para estabelecer o contato inicial entre o público e os heróis que ainda não haviam sido mostrados nas telas, a duração cansa o espectador.
Outro fator relacionado aos excessos está na aparição de várias figuras conhecidas que abrem muitas portas para o futuro narrativo. Neste caso, esses caminhos podem levar a mais um momento de desencontro da produção. Fica claro que Zack Snyder quis apresentar a Liga da forma mais completa possível.
Também é compreensível que a escolha foi feita para dar brecha a novos filmes solo e outras interações com referências em quadrinhos diversos, mas isso precisaria ser conduzido de forma cuidadosa. E, ainda assim, existem inserções que extrapolam a narrativa contada pelo Snyder e se tornam mais interrogações na cabeça do espectador, além de ter feito o filme se estender ainda mais, a exemplo de quase todo o epílogo.
É pensando também nesse futuro um tanto incerto que moram os maiores questionamentos sobre o DCEU. A chegada de Liga da Justiça – Snyder Cut não mudou os caminhos trilhados pelo universo e, até então, não afetou projetos em andamento. A Warner e o próprio diretor também já se pronunciaram alegando que ele não estará mais à frente de projetos do Universo Estendido. Mas isso significa que o conteúdo narrativo do Snyder Cut será ignorado, como se nunca tivesse sido lançado? Será que outra petição virtual será feita para tornar canônica essa versão e seguir a partir dela? Ou até mesmo, será que outra comoção trará o diretor de volta?
Além disso, não está claro ainda onde o novo Batman se encaixa, da mesma forma que o enredo de The Flash (2022) não foi divulgado e existem apenas rumores sobre o conteúdo do longa. Outras dúvidas são sobre a saída de Ben Affleck e Henry Cavill e o reboot do Superman no universo. As polêmicas envolvendo Ray Fisher e a investigação sobre a conduta abusiva de Joss Whedon durante as gravações de Liga da Justiça (2017) também tiveram efeitos. O planejamento do filme solo do Ciborgue parou e talvez ele tenha sido cortado do filme do Flash.
Seja quais caminhos a Warner deseje seguir, duas coisas são esperadas: que haja um planejamento a longo prazo e que o resultado das produções mantenha a qualidade de filmes como Wonder Woman, Aquaman, Shazam! e o Snyder Cut. É impossível negar a qualidade do que foi visto com a versão de Zack e isso precisa ser respeitado. O trabalho do diretor, produtor e roteirista não é livre de julgamentos e, muito menos, de erros. Há escolhas que poderiam ter sido diferentes, mas o conjunto da obra é satisfatório, não há como negar.
Sem exageros e firulas, Snyder conseguiu demonstrar o seu cinema. E, apesar de ter feito dois filmes no DCEU anteriormente, é em Liga da Justiça – Snyder Cut que se vê as marcas do diretor com clareza – tanto os acertos quanto os erros. Agora os crossovers da DC têm uma cara e ela é madura e sombria. É uma linguagem e arte que descrevem a essência das histórias em quadrinhos da DC Comics. Com o Snyder Cut, o público e, principalmente, os fãs puderam vislumbrar tudo o que pode acontecer quando um projeto dá liberdade criativa e artística para a equipe. E quem sabe, ao menos o resultado deste filme não impulsione um novo recomeço para a DC nos olhos do público e da própria indústria.
Direção: Zack Snyder
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Gal Gadot, Jason Momoa, Ezra Miller, Ray Fisher, Amy Adams, Amber Heard, Jeremy Irons, Ciarán Hinds, Diane Lane, Joe Morton, J. K. Simmons, Jared Leto, Joe Manganiello, Robin Wright, Ray Porter, Connie Nielsen, Willem Dafoe, Jesse Eisenberg
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