Crítica: Hereditário

Atualmente existe uma vertente de terror que está em voga e tem dado muito certo. Diversos diretores e roteiristas tem apostado numa trama de horror que envolve muito o psicológico, usando de ilusões visuais, trilhas de ambientação macabra – sem aqueles picos ensurdecedores da maioria dos filmes – e uma narrativa completamente aterradora que faz com que o público fique martelando cena por cena em sua mente. E o mais interessante desses longas-metragens são o seu resultado impactante e o baixo orçamento que lhe é tão comum. Diversas produtoras têm mostrado que é possível fazer terror de qualidade sem um orçamento ridiculamente alto e sem os gastos e, muitas vezes, previsíveis artifícios tanto usados nos maiores sucessos do gênero da última década.

Uma das produtoras independentes que mais cresce na atualidade, a modesta e brilhante A24 Films, acabou de lançar mais um sucesso estrondoso de horror, o longa Hereditário. Sendo a terceira película do gênero da produtora – antecedida pelo sucesso de bilheteria e crítica A Bruxa (2015) e o genial, mas não tão conhecido, Ao Cair da Noite (2017) – Hereditary (título original) chega aos cinemas brasileiros já com uma bilheteria invejável. Com apenas duas semanas que teve a sua primeira estreia, o filme já arrecadou mais de 4 vezes o seu orçamento e também conseguiu bater a bilheteria d’A Bruxa, se tornando a maior bilheteria de terror da produtora e preparada para concorrer com outros longas de sucesso que renderam muito para a empresa, como os dramas Moonlight e Lady Bird.

Após a morte da misteriosa e controladora avó, os Graham passam a sofrer com o legado obscuro que a matriarca deixou para sua família. A disfunção familiar irá apenas se agravar à medida que os dias passam e trazem consigo o desenvolvimento de um segredo sobrenatural que se tornará o maior pesadelo de suas vidas. O que resta para os Graham é entender esse terror que preenche a sua casa e abre portas ainda mais obscuras em suas vidas para tentar escapar do destino que eles herdaram.

Ari Aster fez, em sua estreia como diretor e roteirista de um longa-metragem, um trabalho digno da atenção de todos os amantes do horror. Não somente por seu talento ser impressionante e incontestável, mas por ser surpreendente a maneira como ele criou uma história completamente original. São jovens talentos como Aster que fazem a diferença na renovação de um gênero tão gasto e maltratado como o terror. Hereditário chega as salas de cinema no mundo para mostrar para os céticos que ainda existem pessoas capazes de fazer um filme que te arrepie e te cause medo de verdade. A sua direção deslumbrante acompanhada de seu direcionamento para a perfeição de cada cena compôs uma orquestra de horror que merece ser aplaudida de pé.

Ao lado da ótima direção e do roteiro extraordinário, Aster contou também com a ajuda de três elementos perfeitamente consonantes com o seu trabalho. A trilha sonora original criada por Colin Stetson – cantor e compositor da música Awake on Foreign Shores, do filme 12 Anos de Escravidão, de 2013 – é um espetáculo à parte. Afinal, o que seria de um filme de terror sem uma trilha sonora que arrepia até a alma do espectador? E a sua trilha cumpre esse papel brilhantemente ampliando ainda mais o potencial quase que inesgotável dessa produção. Ao lado da trilha, temos uma direção de fotografia que, no universo cinematográfico do horror, é uma das mais lindas dos últimos tempos. O trabalho de Pawel Pogorzelski é simplesmente fenomenal. Cada quadro da película é uma obra de arte através das lentes de Pawel, em especial as cenas externas e os momentos mais sombrios no final da trama.

Para concluir essa obra-prima do horror, deve-se falar também do elenco. Um elenco principal com apenas cinco personagens que conseguiram domar a atenção do público com sua maestria durante os 127 minutos de filme. Cada um deles merece um destaque especial por conta da sua importância e qualidade cênica, contudo a jovem Milly Shapiro precisa ter um ponto de destaque ao se falar do resultado final de Hereditário. Com apenas 15 anos e em sua estreia nas telonas, Milly transfigurou-se na perturbada e solitária Charlie com uma perfeição digna de um artista muito experiente. Outro merecido destaque vai para Toni Collette (O Sexto Sentido, de 1999, e Pequena Miss Sunshine, de 2006) cujo interpreta Annie, a mãe sofrida e problemática da família Graham. Os outros personagens que compõem essa narrativa aterradora são o pai (interpretado pelo ator, produtor e diretor Gabriel Byrne); Peter, o filho distante (interpretado pelo jovem e promissor Alex Wolff); e Joan, a amiga de Annie (interpretada pela espetacular Ann Dowd).

Hereditário realmente é um trabalho cinematográfico espetacular que merece todo tipo de divulgação e comentários elogiosos. Contudo, a sua divulgação foi um tanto perigosa por comparar este trabalho com o clássico de terror O Exorcista (1973). É compreensível que, ao surgir um novo filme de terror que mereça elogios, ele seja comparado a uma das obras mais completas e brilhantes da história do gênero; a crítica a esta comparação está diretamente ligada a uma interpretação errada quanto ao subgênero que pode ser feita, levando até mesmo a uma queda de apreciação por parte dos espectadores, uma vez que ele não se assemelha muito com The Exorcist (título original do clássico). A película de Ari Aster se assemelha muito mais com a fusão do sobrenatural e o tormento psicológico de O Bebê de Rosemary (1968), do que com o longa de William Friedkin, por exemplo. Ou se assemelha muito mais com os recentes filmes do gênero que mexem com a mente, incitando o medo ao longo da narrativa, como Corrente do Mal (2014), A Bruxa, Ao Cair da Noite, Corra! (2017) e Um Lugar Silencioso (2018).

O que deve ser absorvido como resultado do produto da A24 é a grandiosidade e qualidade dele e o quanto ele pode influenciar outros tantos filmes que estão por vir. Aster mostrou que ainda existe uma chance para o subgênero sobrenatural de uma forma criativa, inovadora e aterrorizante. Ele presenteou o mundo com uma verdadeira obra que dá medo. Quem sabe, com a estreia de Hereditário, o público passe a entender que nem todo filme de terror tem que ter momentos de “scary jump” atrelados a um exagero de sangue em cena e sons que ensurdecem o espectador. Quem sabe agora, graças a este e tantos outros sucessos recentes, o gênero do horror passe a ser respeitado outra vez. A estreia de Aster é um marco para a produtora independente por ter alcançado a maior bilheteria da empresa em semana de lançamento e, principalmente, é um marco para a indústria do terror que passará a olhar novos talentos como Aster, John Krasinski, Jordan Peele, Trey Edward Shults, Robert Eggers e David Robert Mitchell com outros olhos. Dessa forma, Hereditário já se tornou muito mais do que um sucesso do gênero; ele se tornou uma herança de renovação.

Assista ao trailer!

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