Grande Sertão (2024)
Cena de 'Grande Sertão' (2023) | Foto: Divulgação/Gustavo Hadba

Crítica: Grande Sertão

Crítica: Grande Sertão
3.7

Fora das telonas por mais de uma década, Guel Arraes (O Auto da Compadecida, de 2000, e O Bem Amado, de 2010) retorna aos cinemas com seu mais novo filme. Grande Sertão, inspirado no livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, foi dirigido pelo cineasta pernambucano e co-escrito por ele e Jorge Furtado (Vai Dar Nada, de 2022).  Assim, o longa-metragem da Paranoïd Filmes em coprodução com a Globo Filmes marca esse momento de Guel voltando a fazer seu cinema fantástico e sensível.

Com estreia marcada nos cinemas brasileiros para esta quinta-feira (30), Grande Sertão transforma o texto modernista de Guimarães Rosa e remonta a história em um futuro distópico sobre a periferia urbana. Essa mudança, por si só, já é um risco que merece ser observado. Adaptar um clássico literário e deslocar completamente a sua história e seu tempo é uma difícil e delicada missão. Por um lado, essa atualização vestida de fantasia futurista é extremamente interessante por dialogar ainda mais com temas sociais atuais. Por outro, gera um certo estranhamente ao deslocar uma história tão sertaneja para algo tão eixo Rio-São Paulo.

A escolha dos roteiristas, no entanto, é bem paga por conseguirem imprimir o resultado visual e textual dessa periferia (ainda mais) refém da violência, do crime e da política. E, para completar as escolhas arriscadas do roteiro, Arraes e Furtado ainda escolhem manter parte do texto original inalterado, o que pode gerar um estranhamento inicial, mas que tem uma força cênica absurda. Por essa razão, Grande Sertão acaba se aproximando de Romeu + Julieta (1996), de Baz Luhrmann (Elvis, de 2022). A diferença entre as duas obras é que, no longa de Guel Arraes, a inserção desse texto mais clássico é incorporada de uma forma mais eficaz e convincente – mérito também do elenco extraordinário.

Com esse texto e pano de fundo, Guel pôde fazer o que faz de melhor: mergulhar no fantástico. A filmografia do diretor pernambucano sempre flertou com as possibilidades desse gênero, mas agora, graças ao contexto criado para o filme, Guel conseguiu cair de cabeça nesse universo. O resultado desse mergulho é um trabalho visual extremamente cuidadoso e impactante. Existem cenas que falam por si só e, como já disse Villeneuve (Duna: Parte 2, de 2024), no cinema, as imagens devem bastar – e Guel faz isso como ninguém em Grande Sertão.

Grande Sertão (2024)
Eduardo Sterblitch em cena de ‘Grande Sertão’ (2023) | Foto: Divulgação/Helena Barreto

Existe uma teatralidade e espetacularização em cena que só Guel consegue criar. Assim como vemos em filmes anteriores do diretor, existe um quê de exagero milimetricamente calculado, que compõe e guia a narrativa e suas performances. E é justamente nesse campo que o elenco e os departamentos de fotografia e arte conseguem brilhar. Grande Sertão é uma produção que chama atenção. Seja pelo seu texto original, pelas suas escolhas de adaptação ou por suas cores e dores em cena. Não há como sair da sessão sem sentir esse impacto.

O elenco é quem complementa e tece em cena esse universo distópico-fantástico. Com conhecidos nomes das telinhas e telonas como Luisa Arraes (Aos Teus Olhos, de 2017), Caio Blat (O Debate, de 2022), Rodrigo Lombardi (Carcereiros: O Filme, de 2019), Luis Miranda (Ó Paí, Ó 2, de 2023) e Eduardo Sterblitch (Dois é Demais em Orlando, de 2024), as performances merecem uma atenção especial. Sob essa rege da teatralidade tão gueliniana, os artistas entregam cenas com emoções viscerais. É palpável cada dor e conquista vista em tela. Essa troca só engrandece ainda mais o texto e o resultado de Grande Sertão.

É preciso, portanto, pontuar algumas pessoas que se destacam no elenco. Mariana Nunes (Alemão 2, de 2022), apesar de ter uma rápido participação, consegue entregar uma performance de tirar o fôlego. Ao seu lado, narrativa e cenicamente falando, está Blat que brilha como Riobaldo, especialmente nos seguimentos sobre o futuro em Grande Sertão. O público se encanta e teme, porém, pelos personagens vividos por Miranda e Sterblitch. Os dois no campo no vilania, cada um com suas camadas de desejos e anseios – e até com momentos de redenção -, ambos personagens chamam o público para uma conexão imediata (ainda que essa seja de repulsa).

A força do elenco em cena é a responsável por concretizar toda a parte técnica e a direção. A materialidade expressa pelos trechos originais do texto ou criada por determinado cenário, fotografia e enquadramento são resultado dessa cooperação completa da produção. Grande Sertão conta com uma força expressiva arrebatadora e esse é o seu maior diferencial. Faz, por momentos, até mesmo com que o espectador mais atento (ou talvez, preocupado) esqueça do sequestro da história para uma periferia que parece estar localizada no Rio de Janeiro. Seja como for essa dinâmica entre-espectador-filme, uma coisa é certa: o longa não vai ser facilmente esquecido por quem o assiste.

Direção: Guel Arraes

Elenco: Luisa Arraes, Caio Blat , Rodrigo Lombardi, Luis Miranda, Mariana Nunes, Lucas Oranmian e Eduardo Sterblitch

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