Fuga da Meia-Noite

Crítica: Fuga da Meia-Noite (Telecine Play)

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Qual seria a chave essencial para um bom suspense policial? Um bom começo seria pensar que qualquer filme de perseguição precisa contar com três elementos centrais para que funcione: estabelecimento de tensão, empatia com as personagens e respiros para a plateia. Aqui, em Fuga da Meia-Noite, Kwon Oh-Seung chega perto de alcançar a medida perfeita. Mesmo que não equilibre todas estas questões, em sua estreia em longas-metragens, o realizador entrega uma produção de tirar o fôlego, que prende a atenção, pelo menos.

A construção de atmosfera de medo é posta desde os minutos iniciais, em sua abertura e, ainda que peque no quesito do alívio dentro do enredo, Seung tem o louro de saber ampliar a suspensão durante a sessão, deixando que os riscos para a protagonista e seu agressor cresçam e até extrapolem uma razão comum, mas sem perder a sua lógica interna. Para realizar tal intento, o roteiro transita por dois tons. O primeiro é o da urgência, vinda do olhar do vilão, o psicopata Do-Sik (Wi Ha-Joon).

Quando ele está em cena, as ações são mais intensas e se desenvolvem de maneira acelerada, assim como seu pensamento e suas táticas. Do outro lado está a protagonista, Kyung-mi (Ki-joo Jin), uma jovem surda, que tem a sua vida modificada completamente após presenciar um crime. No primeiro ato, seu ponto de vista em relação ao mundo é impresso. Um paralelo é criado visualmente também, pois seu universo tem tonalidades mais suaves, é mais iluminado, diferentemente dos ambientes e situações de Sik, que é mostrado à noite, em becos e vestes menos coloridas.

Assim, a personalidade de Kyung e seus desejos são convocados e é a partir dali que ela vai ganhando contornos. É importante ressaltar que ambas as personagens, apesar do foco aqui ser no confronto entre a dupla, são as mais trabalhadas dentro do longa-metragem. São os dois que possuem momentos com mais destaque e que, por isso, são mais aprofundadas. Talvez, a mãe de Kyung (Hae-yeon Kil) também receba um olhar apurado. Mas, o restante dos coadjuvantes não possui tempo de tela para que possam ser investigadas o suficientemente para terem camadas.

Contudo, realmente, o caminho seguido por Seung é outro. O seu intuito parece ser o de deixar o espectador ser ar, sem espaço para pensar ou compreender motivações. O que não é algo positivo, mas que surte um efeito forte, que acaba por impactar o público com esta agitação constante presente na obra. Seung faz isto também através de uma decupagem corajosa em Fuga da Meia-Noite. Assim, o cineasta intercala enquadramentos e deixa que as movimentações de câmera traduzam as emoções das personagens.

Além disso, outro aspecto importante dentro da história é a forma como Seung vai inserindo cada personagem dentro da trama e como a rede de conflitos vai se ampliando. Um exemplo disto é a sequência da delegacia. A mise-en–scène e os diálogos fomentam uma sensação de confusão que acontece enquanto múltiplas situações são postas. Enquanto Kyung e sua mãe vão compreendendo que Sik é o psicopata de quem elas estavam fugindo, o bandido tenta disfarçar a sua culpa.

Fuga da Meia-Noite

A partir deste jogo cênico, o cerco vai fechando e novas figuras vão entrando e aumentando a potencialidade deste emaranhado de objetivos das personagens, até o ápice da sequência, quando Jong Tak (Park Hoon), irmão de uma das vítimas de Sik, chega até a estação policial e entra em luta com o assassino. São muitas informações colocadas ao mesmo tempo, de maneira progressiva e Kwon Oh-Seung sabe conduzir o público dentro deste frenesi. Porque o diretor revela domínio na organização destas entradas e saídas de atores e modificações de profundidade de campo e enquadramento.

Este é apenas um dos exemplos que podem ser trazidos para justificar como a obra é frenética, mas com consciência de sua aceleração constante e quantidade de reviravoltas. São poucos os instantes que Seung deixa que o espectador respire e esta característica é um fator empolgante, mas também um dos incômodos aqui. Apesar de conseguir sustentar a tensão e a aceleração demasiada por boa parte da exibição, o final de Fuga da Meia-Noite é prejudicado por esta ausência de ritmo. Não havendo equilíbrio entre a rapidez de fatos e deslocamentos, no desfecho da produção, quem assiste já está exausto.

Além disso, não há mais para onde ir, literalmente, e Seung repete locações e situações. Entre as diversas corridas entre Sik, Jong e Kyung pelas estreitas ruas da cidade e as entradas em becos, algumas cenas chegam a ser ingênuas, reduzindo a inteligência das personagens e alongando o desenlace, sem necessidade, porque o suspense vai se esvaindo. Todavia, o resultado geral não é dos piores. O longa consegue ser divertido, por seu dinamismo e seus plot twists, mas principalmente pelo carisma do elenco e de empatia que seus papéis conseguem trazer.

Não adianta inserir uma decupagem ousada e uma montagem afiada – como em um dos derradeiros corre-corres de Kyung e Sik, quando a direção e a montagem trabalham com cortes secos e trocas de zoom, para transmitir o nervosismo fruto da perseguição -, se o público não deseja que aquelas pessoas sobrevivam. A mistura de fragilidade e assertividade de Kyung, a garra e sagacidade de sua mãe e as atrapalhações de Jong aumentam a conexão com a obra, fazendo com que suas vidas ficcionais importem, o que potencializa a tensão das cenas.

Por fim, é relevante apontar que por trás de toda correria, sangue e perseguição, Kwon Oh-Seung também expõe como a ausência de tradutores para a Língua de Sinais Coreana é uma grande questão. Um dos problema principais do filme é o fato de que Kyung e sua mãe não são entendidas e, por isso, têm dificuldades de serem salvas. Até mesmo em espaços que deveriam ter obrigatoriamente um intérprete, como na delegacia, a dupla fica desamparada. Mesmo que não seja o enfoque direto de Seung, ele partir deste lugar pode ser considerado positivo para a produção, que encontra bons caminhos estéticos e discursivos, dentro desta perspectiva.

A única crítica negativa à Fuga da Meia-Noite seria o fato de Ki-joo Jin não ser uma atriz surda, o que diminui bastante as intenções de Seung, pois, ao colocar uma personagem como Kyung em destaque, por que não selecionar uma pessoa com deficiência?

Direção: Kwon Oh-Seung

Elenco: Ki-joo Jin, Wi Ha-Joon, Park Hoon

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