Eva Longoria dirigiu um filme sobre o criador do Cheetos picante. Estas foram as primeiras informações que eu prestei atenção quando eu soube da existência de Flamin’ Hot – O Sabor que Mudou a História, longa-metragem baseado na vida de Richard Montañez. E então, eu dei play no streaming Disney+ com uma grande preguiça do que iria encontrar. Todavia, em poucos minutos, foi perceptível como as ideias preconcebidas sobre produções de Hollywood podem barrar o espectador de encontrar um filme que seja satisfatório e divertido.
A direção de Longoria, por exemplo, traz diversos pontos qualitativos. Em seu trabalho, a artista consegue entregar um resultado criativo e coerente. É bem verdade que Eva tem experiência como diretora, com participações em séries de TV, documentários etc, mas, desta vez, ela encara o seu projeto mais ousado e, talvez, de maior destaque como cineasta. Neste sentido, Longoria revela a compressão sobre o papel da decupagem para a narrativa.
Ao mesmo tempo que ela se contém, com planos fixos e um uso mais extensivo do close-up (talvez pela sua maior atuação na televisão), ela também reconhece o melhor momento de movimentar sua câmera, criar efeitos e abrir o quadro. Um exemplo é a utlização do dolly zoom quando o protagonista, Richard Montañez (Jesse Garcia) tem a impressão de que o chefe da Pepsi está falando diretamente com ele!
Dentro deste universo, se a visão que Eva imprime como autora é eficaz, a de Jesse enquanto intérprete é ainda mais poderosa. O ator, além de carismático, consegue criar uma personagem palpável, no qual, ainda que sua figura seja posta no roteiro demasiadamente como um herói plano, são convocados traços positivos e negativos dentro do trabalho de Jesse Garcia. A forma do artista de se deslocar em cena é o ponto alto da sua construção de papel.
Jesse revela habilidade ao explorar as profundidades de campo, sabendo como ocupar o quadro, criando sentido para as suas sequências. É nas distâncias e proximidades com a câmera, em seu balançar – quase que bailado–, que o público sabe imediatamente os altos e baixos do seu Richard. É também nas expressões faciais que se nota a diferença de um ator como Garcia. Há uma coragem do intérprete de Flamin’ Hot em abusar mais das movimentações da face.
Aqui, esta estratégia poderia ser arriscada, levando-o para o caricato, para o exagerado. Mas, Jesse Garcia maneja a força dos seus gestos, deixando a ideia de que sim, latinos podem ser emocionados e emotivos, porém em toda a organicidade que uma obra ficcional requer. Ainda em termos de atuações, a dinâmica de Jesse com Annie Gonzalez (Shameless) fomenta a empatia do espectador com a trama.
Além de Annie saber trabalhar no jogo de cena com Jesse – os dois equilibram as intercaladas de respiração, olhares e o comando corporal entre um e outro –, a atriz também não deixa que sua Judy Montañez seja apenas uma sidekick. No que o roteiro é falho e deixa de lado os conflitos e a personalidade de Judy, Annie compensa com a destreza em enfatizar palavras do texto, que revelam a opinião de sua personagem, principalmente em momentos cruciais para o enredo.
Na sequência em que Judy informa ao pai de Jesse o que ela pensa sobre o seu marido, Gonzalez marca, em seu trecho mais relevante dentro da produção, o que é realmente importante para Judy. Nesta dinâmica, de fato, o roteiro é o que mais peca no conjunto geral. Apesar da banda sonora e do desenho de som não serem tão inventivos como a direção, e da fotografia trazer algumas imagens um tanto chapadas, a escrita do longa é ingênua e, em certa medida, omissa. A trama é formulaica e quem assiste já sabe desde o princípio como o Richard se dará bem.
Ok, é uma biografia sobre um homem bem sucedido, porém o como o espectador fica sabendo disso é completamente repetitivo em termos narrativos, com ganchos de suspensão que apelam mais para o emocional, do que para as ações das personagens. Por isso, por mais que o reforço sobre a vitória de Montañez diante do sistema capitalista branco dos Estados Unidos seja prazeroso de acompanhar, o enredo poderia conter um pouco mais de equilíbrio.
Além disso, há uma ausência de seriedade na apresentação dos acontecimentos. Aqui a questão não é o tom em si, porque há uma comicidade intensa na produção, porém Richard não precisava ser escrito como bobo. É curioso observar como a vida do crime é facilmente descartada da vida de Richard e Judy, principalmente no que diz respeito ao comportamento da dupla diante dos fatos.
Ambos são postos na narrativa com uma atitude quase infantil. Além disso, Flamin Hot é demasiadamente maniqueísta. A jornada do herói é afetada pelos constantes lembretes de que ele é o herói, mesmo com todo o seu passado. E esse é um ponto importante para abordar no que tange a construção da trama. O espectador é subestimado demais nesta produção.
A quantidade de vezes que as informações são repetidas torna a exibição cansativa. Todo o carisma dos atores principais e a direção atenta de Longoria não conseguem dar conta de uma história mal contada. Seria o caso de enxugar o roteiro e fazer um média? Um curta? Ou, seria mais cabível explorar cuidadosamente o passado de Richard? Ou este fator colocaria complexidade na personagem e os roteiristas não saberiam dar conta de escrever sobre o outro lado do protagonista?
Ou, ainda, a vida pregressa de Montañez incomodaria o próprio empresário e a PepsiCo (empresa que o acolheu por tantos anos)? Estes pontos dançam pela mente de quem assiste ao filme, durante a exibição. Porque a falta de profundidade das personagens influencia tanto no diálogos, com falas expositivas e envergonhantes, como também na sensação de extensão temporal da narrativa, por conta das repetições de situação, já que não mostram outras facetas de Judy e Richard.
Todavia, Flamin’ Hot – O Sabor que Mudou a História ganha uma recomendação dessa que vos escreve. Pois é! O motivo é que seja pela surpresa do talento de Longoria na direção, como no carisma do casal central, o longa é, acima de tudo, divertido. Então, compre seu Cheetos (ou seu snack saudável, por favor) e dê o play na Disney+, naquele final de semana de preguiça. Flamin é distraído, é como um cheetos picante: ruim, mas é bom.
Direção: Eva Longoria
Elenco: Jesse Garcia, Annie Gonzalez, Dennis Haysbert, Emilio Rivera, Vanessa Martinez, Dennis Haysbert, Tony Shalhoub
Assista ao trailer!