Armageddon Time

Crítica: Armageddon Time

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3.5

Para James Gray, Armageddon Time é seu filme mais pessoal. Adaptando as memórias do diretor em uma infância dos anos 1980, Gray conta a história de Paul Graff, o filho caçula de uma família de imigrantes judeus de Nova York. Paul acaba se aproximando de um colega de turma chamado Johnny, um menino negro que sofre racismo na escola. Quando Paul recebe uma advertência do diretor do colégio, ele é mandado por seus pais para a mesma escola privada do seu irmão mais velho, um ambiente mais rigoroso, afastando-se da companhia do amigo. A infância dos dois será marcada pela iminência do governo do republicano Ronald Reagan, que durou quase uma década (1981-1988).

Para entender Armageddon Time é importante compreender um pouco o seu contexto histórico. O governo Reagan ficou conhecido por sua política extremamente conservadora, marcada sobretudo pela redução de gastos com programas sociais, aumento da desigualdade entre as classes, alto investimento no exército e luta contra o comunismo no mundo. Para um país recém-saído da década de 1970 e do governo do democrata Jimmy Carter foi um baque e tanto, especialmente para a geração de imigrantes europeus que ainda assimilavam os espólios da guerra, como o avô de Paul interpretado por Anthony Hopkins, e uma outra mais jovem que vivia sob a frustração da não realização do “sonho americano”, especificamente, os pais do protagonista vividos por Anne Hathaway e Jeremy Strong.

Armageddon Time tem qualidades natas dos primeiros trabalhos de James Gray, a economia de recursos visuais e narrativos e a profunda humanidade das suas histórias. Em tese, o filme tem um enredo simples sobre ritos de passagem, mas, aos poucos, vai revelando outras camadas. Gray trabalha de maneira sutil e efetiva com o contexto histórico de Armageddon Time, fazendo com que a trajetória dos seus personagens gradativamente “conversem” com a chegada do conservador Ronald Reagan na presidência dos EUA. É interessante sobretudo como o longa cria para o protagonista conflitos éticos que o fazem se perceber como parte de uma “minoria social” e a emergência da consciência dessa identidade como fonte de força para superar contextos mais duros como os que virão. E o diretor faz tudo isso sem muito alarde, redundância dramática, é tudo sempre tão elegante, sensível, orgânico, como em seus melhores filmes (Amantes, por exemplo).

Armageddon Time

Armageddon Time também conta com ótimos atores. O garoto Banks Repeta que dá vida ao protagonista Paul tem uma maturidade cênica impressionante. Anne Hathaway e Jeremy Strong estão excelentes como os pais do protagonista. Com a chegada da adolescência de Paul e as expectativas que ambos nutrem sobre o futuro do garoto (que ao menos sua geração tenha mais sucesso do que a deles), Esther (Hathaway) e Irving (Strong) às vezes perdem as estribeiras, erram na condução da educação do menino, mas fazem tudo acreditando acertar. É muito honesto e crível esse olhar de James Gray para os pais. O diretor vai na contramão daquela visão idílica de maternidade ou paternidade. Ao mesmo tempo, com anos nas constas, o avô Aaron Rabinowitz parece ter os conselhos mais lúcidos da família e Anthony Hopkins traz muita doçura para esse personagem.

Afastando-se das epopeias que representaram seus últimos longas, Z: A Cidade Perdida e Ad Astra, James Gray procura na sua infância um relato mais intimista. Armageddon Time quer abordar o despertar para questões que acenam para a vida adulta, mas também conta a história de um país e do mundo, o exato momento em que três gerações entram em confronto com suas expectativas sobre a vida, avaliam sua caminhada até aqui e elaboram o que podem fazer a seguir. James Gray faz um filme tocante, com um elenco afiado, marcado pela sua habitual maestria e elegância como diretor e roteirista.

Aparentemente, perde um pouco da sua universalidade ao contar uma história particularmente estadunidense, com elementos de contexto que, talvez, somente eles possam entender instantaneamente. Todavia, ao compreendermos todo esse background sutilmente sugerido pelo realizador ao longo da história, Armageddon Time adquire empatia e demonstra dedicação a questões identificáveis sobre conhecer-se, não reproduzir os erros do passado e manter-se fiel a sua identidade e princípios em contextos políticos não tão humanos.

Direção: James Gray

Elenco: Anne Hathaway, Jeremy Strong, Banks Repeta, Jaylin Webb, Anthony Hopkins, Ryan Sell

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