Crítica: Cassandro

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Hit do Festival de Sundance de 2023, Cassandro chega com exclusividade ao serviço do Amazon Prime Video. O filme traz Gael García Bernal (Viva – A Vida é uma Festa) como o lutador de lucha libre Cassandro, cuja carreira iniciada no final dos anos de 1980 “decolou” quando ele começou a se apropriar nos ringues de uma abordagem drag para suas apresentações. A produção dirigida por Roger Ross Williams, do documentário Love to Love You, Diana Ross, narra especificamente essa chave de virada na vida do lutador mexicano, que passou a adotar a personalidade de Cassandro como forma de curar o sentimento de rejeição que nutria pela forte homofobia do pai.

Cassandro é uma cinebiografia bem intencionada que na maior parte do tempo sofre do mesmo mal de tantos outros filmes do gênero, o excesso de pasteurização na abordagem narrativa, suavizando ou romantizando as glórias do seu personagem principal, por vezes rendendo-se ao clichê do retrato inspiracional “baseado em eventos reais”. Entretando, em muitos outros momentos o filme ganha o espectador pela performance carismática de Gael García Bernal como Saúl Armendáriz, o Cassandro, e também por encontrar um tema para sua narrativa, evitando a tradicional pincelada genérica em todos os eventos da vida do cinebiografado, como também é comum no gênero.

Com a direção menos afeita possível a intervenções criativas, Roger Ross Williams entrega o êxito da sua obra nas mãos do olhar sensível de Bernal para seu protagonista. O ator o retrata como uma figura forte e resiliente, ao mesmo tempo que, com esses traços, evita transformar Saúl (ou Cassandro) em um super-humano, acima das suas próprias dores e cicatrizes. É perfeitamente sensível na tela as dores desse personagem, como também fica latente o seu caminho de cura, ou seja, como ele sublima o sentimento de rejeição através da sua arte/esporte. É interessante perceber como esse personagem lida com sua própria sexualidade assumida e como percebe e usa a sua performance nos ringues de lucha libre como um movimento de afirmação, empreendendo uma revolução no seu nicho de atuação.

Cassandro

Cassandro representava o tipo de personagem que na lucha libre foi chamado pejorativamente de “exótico”, lutadores gays que se apresentavam de maneira exuberante, com figurinos e maquiagem chamativas, e que nessas apresentações propositalmente eram “escada” para as vitórias dos seus oponentes “machões”, apanhando ao vivo como forma de externalizar a homofobia da sua audiência. Com Cassandro, Saúl desejava sair desse esquema, se apresentando do jeito que queria, ou seja, de forma que expressasse sua verdadeira identidade (com todo o brilho e irreverência possíveis), mas que isso não implicasse reduzir sua competitividade no ringue frente aos seus oponentes, estando no páreo tanto quanto eles.

Em Cassandro, Bernal tem uma performance física extasiante na qual o ator personifica a irreverência, a dramaticidade, o tom provocador e a força do seu personagem. Ao mesmo tempo, fora do ringue, o ator traz uma resiliência não comiserativa para Cassandro, jamais explorando de maneira piegas as dores latentes de uma realidade que sempre foi muito difícil para Saúl. Cassandro traz para as telas um Gael García Bernal maduro, que carrega o filme nas costas sem achar que seu desempenho é maior do que a história do próprio cinebiografado, retratando-o como uma figura humana perfeitamente passível de identificação.

O ponto frágil de Cassandro é justamente uma condução que não faz justiça ao olhar sensível de Bernal e que utiliza artifícios excessivamente expositivos quando a história já dizia muito com as sutilezas da performance do ator e com a sua presença em um ambiente notadamente homofóbico. A transição para a glória de Cassandro representada por uma participação sua em um talk show na qual um fã adolescente do astro da lucha libre se manifesta na plateia, agradecendo ao trabalho do protagonista e falando como ele foi importante no momento em que decidiu se assumir gay para o pai, verbaliza questões que o longa já havia colocado de maneira muito mais original e completa no retrato que fez do gênero esportivo e da subversão provocada por Saúl nele. Nesse sentido, Cassandro se entrega a reiterações e chavões desnecessários quando tudo já havia sido entregue pelo trabalho impecável de Gael García Bernal.

Direção: Roger Ross Williams

Elenco: Gael García Bernal, Roberta Colindrez, Bad Bunny

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